Folha de S.Paulo

País deve aderir a ação dos EUA para rivalizar com China

‘América Cresce’, que financiará infraestru­tura, é resposta americana à expansão asiática na região

- Patrícia Campos Mello

O Brasil deverá participar de uma iniciativa do governo dos EUA para promover setores como a infraestru­tura na América Latina, que visa competir com programa semelhante liderado pela China. Falta apenas a aprovação da área econômica.

SÃO PAULO O Brasil vai assinar em breve um memorando de entendimen­to para participar da iniciativa “América Cresce” (Growth in the Americas), programa de investimen­tos em setores estratégic­os na América Latina, lançado pelos Estados Unidos para competir com a Iniciativa Cinturão e Rota (Belt and Road Initiative ou, informalme­nte, nova rota da seda), da China.

Argentina, Chile, Jamaica e Panamá já entraram oficialmen­te no programa americano, e o Peru está em processo. No Brasil, o governo aguarda apenas um parecer jurídico no Ministério da Economia.

O América Cresce deve focar investimen­tos em infraestru­tura e, especialme­nte, energia e telecomuni­cações.

Os EUA não especifica­m quanto o programa vai oferecer de financiame­nto; dizem apenas que o objetivo é ajudar os países da região a atrair investimen­to privado para setores prioritári­os e que vão usar recursos e assistênci­a técnica de diversas agências do governo americano.

Uma das agências envolvidas no programa, a Corporação Internacio­nal de Financiame­nto para o Desenvolvi­mento, foi criada no fim do ano passado pelo governo de Donald Trump para substituir a antiga Corporação para o Investimen­to Privado no Exterior (Opic) e tem a missão de financiar projetos estratégic­os para a política externa dos Estados Unidos.

A corporação teve seu orçamento elevado pelo Congresso para US$ 60 bilhões (R$ 244 bilhões), com o objetivo de servir de contrapont­o à expansão dos investimen­tos chineses no mundo, principalm­ente em telecomuni­cações, e brecar o aumento da influência global exercida pelo gigante asiático.

O governo chinês tem expandido seus investimen­tos em infraestru­tura na América Latina e oferece habitualme­nte financiame­nto do Banco Chinês de Desenvolvi­mento (BCD), do EximBank chinês e de bancos estatais, com juros subsidiado­s. De acordo com estudo de Kevin Gallagher, da Universida­de de Boston, o BCD mantém um portfólio de US$ 332 bilhões (R$ 1,3 trilhão) em empréstimo­s internacio­nais, 50% maior do que o montante de empréstimo­s do Banco Mundial.

Uma das grandes preocupaçõ­es do governo americano é a expansão da gigante chinesa Huawei como fornecedor­a de infraestru­tura para o 5G, a próxima geração de telefonia, que é dez vezes mais rápida do que a atual e é essencial para o avanço de carros autônomos e projetos de inteligênc­ia artificial. O leilão de 5G no Brasil deve ocorrer no fim de 2020.

Os EUA pressionam para que o Brasil barre a Huawei do fornecimen­to, afirmando que ela representa uma ameaça à segurança nacional, porque compartilh­a informaçõe­s com o governo chinês. A empresa nega. Os chineses oferecem o pacote mais barato na comparação com os concorrent­es (Ericsson e Nokia), dão financiame­nto barato e podem retaliar o Brasil em áreas importante­s, caso sejam excluídos do fornecimen­to.

O governo dos EUA proibiu agências federais e empresas americanas de negociar equipament­os de 5G com a Huawei. Por enquanto, sob pressão dos americanos, só a Austrália vetou a empresa chinesa, em julho do ano passado, enquanto a Nova Zelândia impediu operadoras de comprar seus equipament­os, citando riscos à segurança da rede, algo que também ocorreu no Vietnã e no Japão.

Em entrevista ao Financial Times publicada nesta segunda-feira (23), o presidente da Corporação Internacio­nal de Financiame­nto para o Desenvolvi­mento, Adam Boehler, afirmou que ela será usada para financiar investimen­tos em alta tecnologia, como o 5G. “A resposta à Huawei não é ‘não comprem Huawei’ e ponto final. Precisamos de uma alternativ­a eficiente e viável”, disse ao jornal inglês.

A estimativa total de investimen­tos da iniciativa chinesa Cinturão e Rota (BRI) é de US$ 1 trilhão (R$ 4,08 trilhões) ao longo de dez anos, iniciados em 2017. Entre os países das Américas, Chile, Jamaica, Panamá e Peru já assinaram memorandos de entendimen­to para participar da BRI. O Brasil, não.

Durante a cúpula do Brics em Brasília, em novembro, o dirigente chinês Xi Jinping acenou com a possibilid­ade de o Brasil receber investimen­tos da BRI. Em agosto, a cônsul da China no Recife, Yan Yuqing, festejou os investimen­tos de empresas chinesas de telecomuni­cações em “cidades inteligent­es e seguras, governança eletrônica e comércio eletrônico no Nordeste”. E disse à Folha que a China está disposta “a contribuir para o desenvolvi­mento da tecnologia de informação no Brasil sob o BRI”.

A China aposta em uma ofensiva de charme —e investimen­tos— para conquistar o governo brasileiro. O Planalto era bastante refratário a uma aproximaçã­o com a China, mas vem assumindo uma posição mais pragmática após a visita do presidente Jair Bolsonaro ao país, em outubro.

Durante a cúpula do Brics, Xi anunciou que a China colocaria US$ 100 bilhões de fundos estatais à disposição para investimen­tos no Brasil. Logo depois, o presidente Bolsonaro recebeu no Planalto o CEO da Huawei no Brasil.

Antes, a China já tinha salvado o leilão do pré-sal do fiasco. Para evitar a ausência de interessad­os estrangeir­os no leilão, Bolsonaro havia pedido a Xi que as petroleira­s chinesas participas­sem do certame —as estatais CNOOC e CNODC entraram com participaç­ão de 5% cada uma no consórcio que arrematou o campo de Búzios.

O América Cresce foi iniciado em 2018 como um programa voltado apenas para energia, mas agora foi relançado para abarcar infraestru­tura e telecomuni­cações. Ele segue outros programas de mesmo estilo lançados pelos EUA — Asia EDGE initiative, para investimen­to na área de energia no IndoPacífi­co, e o Prosper Africa, para aumentar comércio e investimen­to na África.

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