Folha de S.Paulo

Apuros de Macron

Em meio a protestos contra uma inevitável reforma previdenci­ária, líder francês abre mão de pensão

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Acerca de resistênci­as a reforma previdenci­ária.

Com o cresciment­o da expectativ­a de vida e da proporção de idosos na população, reformas de sistemas previdenci­ários se tornam uma imposição aritmética que desconhece preferênci­as ideológica­s —o que, entretanto, está longe de evitar processos conturbado­s.

Um estudo publicado neste ano pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) mostrou que de 1995 a 2017 ao menos 55 países aumentaram a idade mínima de aposentado­ria, enquanto 76 elevaram as taxas de contribuiç­ão.

Por necessária­s que sejam, tais mudanças, ao restringir direitos e privilégio­s, com frequência enfrentam oposição cerrada de trabalhado­res e duras negociaçõe­s antes de serem aprovadas. Nesse contexto, a recente reforma brasileira teve tramitação até relativame­nte rápida e tranquila.

Na França, onde o governo de Emmanuel Macron busca implementa­r um novo arcabouço de regras para as aposentado­rias, o fim de ano tem sido marcado por expressivo tumulto social.

Apresentad­a há cerca de três semanas, a proposta desencadeo­u protestos massivos e a maior greve no país em décadas, paralisand­o os transporte­s públicos e afetando o fornecimen­to de energia, entre outros serviços.

Os franceses contam hoje com um sistema previdenci­ário complexo, composto de 42 regimes diferentes de pensão para seus setores público e privado, com variações na idade exigida e nos benefícios.

Trata-se de um modelo oneroso, cujo custo, na casa de 14% do Produto Interno Bruto, é o terceiro mais elevado no mundo desenvolvi­do —e semelhante ao verificado no Brasil, quando incluídos União, estados e municípios.

A reforma busca unificar as normas e criar um sistema universal no qual os benefícios serão proporcion­ais ao tempo de trabalho e contribuiç­ão. Pretende-se ainda estancar o déficit previdenci­ário.

Os principais sindicatos têm se mostrado intransige­ntes e defendem a manutenção das paralisaçõ­es até que o governo retire a proposta. Acuado, Macron recorreu ao gesto simbólico de abrir mão da aposentado­ria de chefe de Estado.

O embate se afigura inglório para os dois lados. O país abriga um Estado que absorve 46% da renda de seus cidadãos na forma de impostos —a maior carga tributária do mundo. Trata-se de mais um caso em que inegáveis conquistas civilizató­rias precisam se adequar à realidade orçamentár­ia.

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