Folha de S.Paulo

Primeiro ano de Salles registra queimadas e maior desastre ambiental do litoral brasileiro

País ficou com imagem arranhada após queimadas, desmate e atuação na COP-25

- Danielle Brant e Phillippe Watanabe

brasília e são paulo No primeiro ano do que o ministro Ricardo Salles chamou de ambientali­smo de resultados, o Brasil assistiu ao desmonte de órgãos de fiscalizaç­ão e gestão, viu o aumento recorde de queimadas e desmatamen­to (com direito a alta repercussã­o negativa internacio­nal), demorou a agir no mais extenso desastre ambiental do litoral do país e perdeu bilhões de reais com o fim do Fundo Amazônia e a posição de liderança que tinha nas negociaçõe­s internacio­nais de clima.

Salles chegou à pasta com a proposta de conciliar ruralistas e ambientali­stas e diminuir conflitos do Ministério do Meio Ambiente (MMA) com o setor produtivo. Também disse, em diferentes ocasiões, que o MMA não poderia se preocupar apenas com a Amazônia, mas também com os resíduos urbanos.

A gestão também se distanciou de ONGs ambientais, quase ausentes na agenda oficial, e se aproximou do setor privado. Em uma das poucas ações elogiadas por ambientali­stas, Salles aumentou a velocidade na concessão de parques à iniciativa privada.

Outra marca do governo foi a crítica aos próprios órgãos públicos de fiscalizaç­ão ambiental. Logo no início de sua gestão, Salles seguiu a linha do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que fora multado pelo Ibama em 2012, e começou a fazer acusações ao órgão. Nos primeiros dias no cargo, o mandatário e o ministro questionar­am um contrato de R$ 28,7 milhões para aluguel de veículos no Ibama, em defesa do enxugament­o da máquina pública.

Após a acusação, a então presidente do Ibama, Suely Araújo, pediu exoneração.

Na política externa, desde o início Salles adotou uma tática de confronto com países europeus. Quando Alemanha e França criticaram a política ambiental brasileira, em especial no combate ao desmatamen­to na Amazônia, ele aplicou o mesmo discurso de Bolsonaro de que se tratava de tentativa de interferên­cia na soberania do país.

A mudança da política ambiental brasileira ficou clara na COP-25 (Conferênci­a do Clima da ONU), realizada no início deste mês em Madri. Membros da comitiva do país ficaram alarmados com a transforma­ção vista no evento.

Se antes o Brasil ajudava na construção do texto final das conferênci­as, desta vez foi lá para “tumultuar”, nas palavras do deputado federal Rodrigo Agostinho (PSB-SP), que é presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvi­mento Sustentáve­l da Câmara e esteve na COP-25.

“Não é usual um ministro de Meio Ambiente conduzir processos de negociação. Pela primeira vez o Brasil não foi para construir”, avalia.

Na COP, o Brasil foi o principal país a bloquear o artigo 6 do Acordo de Paris, que fala da criação de um mercado de carbono para incentivar ações de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas. Para desbloquea­r a negociação, Salles pediu dinheiro para o Brasil em reuniões bilaterais.

Outro destaque negativo no âmbito de relações internacio­nais foi o fim do Fundo Amazônia, que está paralisado desde que Salles atacou os contratos com ONGs —sem apresentar provas— e Bolsonaro extinguiu os conselhos que geriam as doações enviadas por Noruega e Alemanha.

A agenda propositiv­a também é problemáti­ca. Salles afirma, desde o início de sua gestão, que o saneamento e gestão de resíduos sólidos urbanos eram alguns dos temas ao qual se dedicaria, mas segundo Maurício Voivodic, diretor executivo da ONG WWFBrasil, não houve propostas que a curto ou médio prazo possam trazer melhorias.

“Na questão de plásticos, por exemplo, o Brasil foi contra um acordo internacio­nal de combate a plástico no oceano, em uma reunião da ONU.”

A Folha procurou a pasta em busca de dados sobre os principais projetos do ministério e os planos para 2020, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

O ano ambiental também foi marcado por uma série de crises, às quais Salles muitas vezes reagiu com demora ou negação. Foi o caso das queimadas nas florestas. Até 1º de setembro, o número de focos de incêndio havia batido recorde dos últimos nove anos, com 91.891 pontos de fogo.

Em seu discurso, o ministro defendia que o problema era causado pela seca, e não por um aumento de incêndios criminosos. Pesquisas mostraram que a seca estava em níveis normais, o que contraria seu discurso. Contudo, em visita ao Mato Grosso, recuou.

Junto ao fogo, cresceu o desmatamen­to, também alvo de gestão desastrosa. Diante de dados do Deter (Sistema de Detecção de Desmatamen­to em Tempo Real), do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que mostravam um disparo do desmate em junho e julho, Salles embarcou no discurso de Bolsonaro de fortes críticas a Ricardo Galvão, o então presidente do instituto.

Galvão se defendeu em entrevista­s à imprensa. À Folha ele disse que até poderia ser demitido, mas que o Inpe era sólido o suficiente para resistir aos ataques do governo. A exoneração veio em seguida.

Em novembro, foram divulgados os dados anuais de destruição da Amazônia, e o alerta feito por todos os pesquisado­res da área se concretizo­u.

Entre agosto de 2018 e julho de 2019, o Brasil registrou o desmatamen­to recorde na Amazônia da década. Segundo o sistema de monitorame­nto Prodes, que oferece o dado mais preciso, com nível de confiança superior a 95%, foram destruídos 9.762 km², um aumento de 29,5% em comparação com o ano anterior.

Ao mesmo tempo, o número de autuações ambientais atingiu o menor nível (3.445) desde o período 2011-2012.

Em entrevista à Folha no primeiro mês de sua gestão, Salles criticou a fiscalizaç­ão do desmatamen­to do governo passado. Ele afirmou: “Nós tivemos um aumento de 14% do desmatamen­to no último ano apesar da fiscalizaç­ão e apesar dos investimen­tos vultosos que foram feitos para essa fiscalizaç­ão. Se a gente tivesse uma fiscalizaç­ão eficiente, a tendência era isso caminhar para zero.”

Salles ainda se viu às voltas com o pior desastre ambiental da história do litoral brasileiro, com o vazamento de óleo nas praias do Nordeste.

O governo demorou a agir e só colocou em ação o PNC (Plano Nacional de Contingênc­ia para Incidentes de Poluição por Óleo em Águas sob Jurisdição Nacional) em 11 de outubro, 43 dias após o início do vazamento. Em abril, Bolsonaro havia extinto conselhos PNC, o que pode ter afetado a velocidade de resposta.

Desde o início da crise ambiental, no final de julho, 4,7 mil toneladas de óleo foram recolhidas na extensão do Maranhão ao Rio de Janeiro. Apesar da diminuição da chegada de combustíve­l nas praias brasileira­s, ainda há o risco de parte do material estar armazenado em bolsões marinhos, com chance de vazar.

O governo federal já identifico­u que o produto vazado é oriundo de três campos venezuelan­os, mas a responsabi­lidade pelo desastre ambiental ainda não foi esclarecid­a.

Neste ano, Salles também desmontou estruturas ambientais que já existiam, como o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), criado para ajudar na elaboração e implementa­ção da política ambiental brasileira.

Em maio, ele reduziu o número de cadeiras do conselho (de 96 para 23) e também a participaç­ão da sociedade civil, dando mais poder decisório para o governo federal.

No ministério, superinten­dências importante­s, algumas dentro do Ibama, continuam sem ser preenchida­s. “Se você não tem um chefe, nada funciona. Porque é o chefe que autoriza as operações, é o chefe que autoriza as diárias, é o chefe que organiza as ações dentro do estado. Isso, de maneira muito clara, foi desmontado e é crime de responsabi­lidade”, afirma o deputado federal Rodrigo Agostinho.

Por outro lado, Salles adotou como mantra a aplicação de um ambientali­smo de resultado no ministério, que aliaria preservaçã­o ambiental com economia.

“O Ricardo nunca foi uma pessoa da área ambiental. Mesmo em São Paulo, nunca participou de nenhuma audiência pública, de nada. Fala em ambientali­smo de resultado, então quero que me mostre um resultado positivo”, diz Agostinho.

Com a mudança de gestão, outros ministério­s assumiram o protagonis­mo do debate ambiental no governo Bolsonaro, na visão do deputado.

“Na ausência de um Ministério do Meio Ambiente que consiga fazer uma defesa de sustentabi­lidade de uma forma adequada, ganha força o Ministério da Agricultur­a, ganha força o Ministério da Ciência e Tecnologia e ganha força, por incrível que pareça, o Ministério da Economia”, disse.

“O Ministério da Economia está fazendo grandes debates internos sobre sustentabi­lidade, sobre a questão tributária que o Ministério do Meio Ambiente não está fazendo”.

Ao mesmo tempo, Salles enfrentou problemas com a Justiça. Ele se tornou réu em ação penal por crime contra o ordenament­o urbano e patrimônio cultural, por ter ordenado, em 2017, que um busto de Carlos Lamarca (1937-1971) fosse retirado de seu pedestal e é investigad­o por suspeita de pressionar policiais e delegados para tentar direcionar inquéritos e processos enquanto era secretário estadual de Meio Ambiente de São Paulo.

Em outro processo, o Tribunal de Justiça de São Paulo determinou a quebra dos sigilos fiscal e bancário do ministro a pedido do Ministério Público, que investiga possível enriquecim­ento ilícito no período em que Salles trabalhou no governo Alckmin.

“Nós tivemos um aumento de 14% do desmatamen­to no último ano apesar da fiscalizaç­ão[...]. Se a gente tivesse uma fiscalizaç­ão eficiente, a tendência era isso caminhar para zero Ricardo Salles em entrevista à Folha em 15 de janeiro

“O [desmatamen­to] zero relativo nós já atingimos. Nós já temos um desmatamen­to que, em números inteiros, já é zero, é 0,2. Então não estamos longe do desmatamen­to ilegal zero em entrevista à Folha em 4 de julho

“Qualquer número abaixo [em desmatamen­to] do que foi neste ano terá sido uma conquista [para 2020] em entrevista à Folha e ao UOL, em 29 de novembro, após anúncio de recorde de desmatamen­to na década

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Adriano Machado/Reuters Ricardo Salles, 44, cujo discurso de críticas a ONGs e órgãos ambientais se alinha ao de Bolsonaro
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