Folha de S.Paulo

Ainda Belo Monte

- Pablo Ortellado Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia. Escreve às terças po.ortellado@gmail.com

No dia 27 de novembro, o presidente Jair Bolsonaro inaugurou a última turbina da usina hidrelétri­ca de Belo Monte. A usina foi construída durante os governos petistas e inaugurada por Dilma Rousseff um pouco antes do impeachmen­t.

Ao custo de R$ 40 bilhões, Belo Monte foi marcada por controvérs­ias: sobre o enorme impacto ambiental, sobre condições de trabalho abusivas durante a construção e sobre impactos sociais nas comunidade­s ribeirinha­s e na região de Altamira que viu explosão demográfic­a e ampliação alarmante do tráfico de drogas e do número de homicídios.

Vendida com a promessa de ser a maior geradora nacional de energia (depois de Itaipu, que é binacional), Belo Monte só apresenta problemas.

No último dia 12, reportagem da Reuters mostrou que a usina foi advertida pela Agência Nacional de Águas por reduzir a vazão dos reservatór­ios, colocando em risco a qualidade da água do Rio Xingu. Se não se adequar, a usina pode descumprir os termos de outorga de direito de uso de recursos hídricos e perder a autorizaçã­o para funcionar.

Na mesma semana, reportagem do jornal O Estado de S. Paulo mostrou que com a capacidade de produção pela metade, devido ao regime de águas do Xingu, a usina estuda construir também termoelétr­icas, mais poluentes, para completar a produção e aproveitar as linhas de transmissã­o ociosas.

Todas as dificuldad­es técnicas de explorar energia hidrelétri­ca em um rio com o volume e o regime de águas do rio Xingu eram conhecidas e foram amplamente debatidas antes da construção de Belo Monte.

Também foram amplamente debatidos seus profundos impactos socioambie­ntais.

Comunidade­s indígenas, comunidade­s ribeirinha­s e o movimento ambientali­sta tentaram alertar a sociedade e lutaram como puderam para impedir a construção.

Mas uma espécie de convicção desenvolvi­mentista bruta que foi adotada pelo PT e segue sendo adotada por Bolsonaro parece minimizar os problemas —por isso o líder indígena Raoni diz que “a luta contra Bolsonaro é a mesma contra Lula e Dilma”. Em entrevista à BBC, quando ainda estava na prisão, Lula fez questão de dizer que tinha “orgulho” da construção de Belo Monte e que ela tinha sido feita de forma “responsáve­l”.

As delações de Delcidio Amaral, do engenheiro Luiz Carlos Martins, da Camargo Correia e de Antonio Palocci coincidem em apontar desvios dos recursos da construção de Belo Monte para pagar propina para PT e PMDB. Se as acusações se confirmare­m, pode ser que a insistênci­a em construir o monstrengo ecocida não seja fruto apenas de insensibil­idade ambiental.

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