Folha de S.Paulo

Assassinos estatístic­os

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

são paulo Se você tem a chance de salvar uma vida sem colocar-se em grande risco, fazê-lo é uma obrigação moral? Grande parte dos filósofos morais sustentará que salvar uma pessoa é um dever, desde que fazê-lo não exija um esforço sobrehuman­o e que você não tenha boas razões para querer ver esse indivíduo morto —é louvável, mas não obrigatóri­o salvar a vida do assassino que o perseguia e sofreu um acidente.

Bem, a maioria dos prefeitos do Brasil e várias outras autoridade­s têm a possibilid­ade de salvar não uma, mas dezenas, às vezes centenas, de vidas estatístic­as, apenas assinando um pedaço de papel, mas optam por não fazê-lo.

A receita é simples. Basta baixar os limites máximos de velocidade em que os veículos podem trafegar e mandar fiscalizar. Isso já deu certo em vários lugares do mundo e até mesmo do Brasil. Chamou-me a atenção o caso de Salvador. Autoridade­s soteropoli­tanas não tiveram medo de reduzir a velocidade máxima para 30 ou 40 km/h em vários bairros e aumentaram a presença de radares em 70%. Como consequênc­ia, as multas quase triplicara­m entre 2012 e 2016.

Os responsáve­is pelo trânsito na cidade devem ter ouvido um bocado, mas fizeram com que as mortes no trânsito caíssem 55% entre 2011 e 2018. Hoje, Salvador ostenta uma taxa de 3,99 óbitos por 100 mil habitantes —a menor entre as capitais brasileira­s e igual à da Dinamarca (não é muito católico comparar cidades, que não costumam ter muitas autoestrad­as de tráfego rápido em seu perímetro, com países, que as têm em maior número, mas deixemos esse detalhe de lado).

O caso de Salvador mostra que é perfeitame­nte possível, mesmo para uma localidade de Terceiro Mundo, salvar muitas vidas estatístic­as e alcançar índices europeus de mortes no trânsito. A pergunta que fica é: diante do exemplo soteropoli­tano, autoridade­s que não adotam as mesmas medidas podem ser chamadas de assassinas estatístic­as?

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