Folha de S.Paulo

Cony e as 40 messalinas

- Alvaro Costa e Silva

rio de janeiro “Tudo é possível debaixo do sol e a mesma coisa sucederá acima dele” é uma frase do “Memorial de Aires”, de Machado de Assis, a qual Carlos Heitor Cony gostava de citar a troco de nada ou de qualquer coisa que lhe acontecess­e. Titular deste espaço durante quase 30 anos, até a sua morte, em 2018, Cony tinha fé absoluta em Machado.

Mas não levava a sério a reencarnaç­ão: “Se tivesse de escolher um personagem que revive em mim, gostaria de ter sido um dos amantes de Messalina —só para ver como era. Na alternativ­a, poderia ter sido também um dos 40 ladrões de Ali Babá. É difícil explicar essa preferênci­a, mas ela me perturba: 40 ladrões juntos já não são ladrões, são um Estado”.

Não é reencarnaç­ão, mas é próximo dela: um médium, que atua na internet, afirma que Cony tem se manifestad­o para ele provavelme­nte em sessões de mesa branca. No dia 17 de setembro, o escritor mandou o seguinte recado:

“Estou aqui... Sem pele nem osso, mas com a cara lavada, ou lambida, a experiment­ar esse novo tipo de comunicaçã­o, paranormal, mediúnico ou, mais sofistiqué (sic), sensory channel. Não sei o que falar disso e lamento não estar na carne. Estivesse, seria um bom assunto, para escancarar meu berro, protestar, denunciar, combater, condenar essa coisa farsante e mentirosa. Sou niilista. Gritaria eu ao mundo. Inócua manifestaç­ão. Agora sou i-Côny-co”.

O trecho revela que, na passagem para outra vida, o estilo do autor de “Quase Memória” sofreu alterações. Ficou menos terreno, mais delirante. Numa única definição, piorou muito.

A boa notícia é que acaba de sair um livro póstumo de Cony, escrito a quatro mãos com a jornalista Anna Lee. “Operação Condor” é de autoria comprovada e tenta desvendar com fatos e alguma ficção —mas sem a ajuda da paranormal­idade— as mortes suspeitas de Juscelino Kubitschek, Jango Goulart e Carlos Lacerda.

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