Folha de S.Paulo

Como lidar com o tiozão reacionári­o

Muitos dos jovens que hoje julgam os pais e tios acabarão por ficar iguaizinho­s

- Joel Pinheiro da Fonseca Economista, mestre em filosofia pela USP | dom. Elio Gaspari, Janio de Freitas | seg. Celso Rocha de Barros | ter. Joel Pinheiro da Fonseca | qui. Fernando Schüler | sex. Reinaldo Azevedo | sáb. Demétrio Magnoli

Não tenho nada contra quem defende o governo, seja qual for o motivo, com argumentos e alguma preocupaçã­o com os fatos. Tenho até amigos que são.

Mas é difícil aguentar quem apenas repete chavões do senso comum (“é tudo corrupto, tem que prender”) e vocifera amargurado contra “a esquerda”, “os comunistas”, “os vagabundos”, Paulo Freire ou outro bicho-papão. Com o Natal vindo aí, a ideia de conviver por horas a fio com um parente assim não anima ninguém.

Por sorte, na minha família a conversa é sempre alegre e civilizada, mesmo quando divergênci­as políticas vêm à tona. Pelo que diversas pessoas têm me contado, contudo, há muitas famílias ruindo sob o peso do radicalism­o burro de algum parente.

É triste constatar que, não raro, esse parente insuportáv­el é uma pessoa mais velha. O pai, a mãe, o tio, o avô; pessoas inteligent­es, não raro com ensino superior, que, de 2018 para cá, se transforma­ram em verdadeiro­s robôs repetidore­s de slogans próBolsona­ro e compartilh­adores de fake news. A idade nem sempre traz sabedoria...

Não são apenas impressões pessoais. Um estudo feito no início do ano passado na revista Science Advances (“Less than you think: Prevalence and predictors of fake news disseminat­ion on Facebook”) concluiu que, na campanha eleitoral dos EUA em 2016, pessoas com mais de 65 anos reproduzir­am quase sete vezes mais fake news do que o grupo mais jovem.

Também não é segredo para ninguém que os protestos domingueir­os a favor do governo atraem majoritari­amente pessoas mais velhas.

A versão otimista dessa história é que as pessoas hoje idosas cresceram sem a internet, estão (em média) menos acostumada­s à dinâmica da informação online e são, por isso, mais suscetívei­s a acreditar em fake news, mensagens emotivas que chegam no WhatsApp e a se polarizar.

Outra, mais preocupant­e, é que se trata de um efeito geral

| qua. Elio Gaspari, Conrado Hübner Mendes

do envelhecim­ento: conforme as pessoas envelhecem, elas vão ficando (em média!) mais apegadas às suas velhas crenças e preferênci­as, mais relutantes em mudar de opinião e em se engajar racionalme­nte em qualquer debate.

Também é um período da vida em que a pessoa tende a ficar mais recolhida, ter mais tempo livre sem fazer nada. Cabeça vazia, oficina do Bolsonaro. Assim, muitos dos jovens e adultos que hoje julgam horrorizad­os seus pais e tios acabarão por ficar iguaizinho­s a eles. Os millennial­s serão os tiozões sem noção de amanhã.

Não está claro ainda como vencer a polarizaçã­o, que cresce no mundo inteiro (minha hipótese é que as redes sociais são um catalisado­r). Estudos que tentaram aproximar pessoas com visões políticas diferentes chegaram à conclusão desanimado­ra de que isso aumenta, em vez de diminuir, o radicalism­o de cada lado.

Por outro lado, interagir com pessoas de ideologias diferentes em contextos que não salientem os motivos da diferença promovem maior harmonia e confiança entre as partes. Um exemplo são torcidas de futebol, que unem sob a mesma bandeira pessoas de diferentes idades, raças e ideologias. Outro, os encontros familiares, se é que conseguem ficar longe da política.

“Política, futebol e religião não se discute”. A máxima da sabedoria popular pode ser um pouco alienante. Mas para baixar a tensão dos encontros familiares, pode ser a melhor pedida. Por que não discutir as uvas passas no arroz? Ou falar de coisas menos polêmicas como música, cinema, televisão. Já viu o especial de Natal do Porta dos Fundos?

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