Folha de S.Paulo

Ainda sobre o que querem as mulheres

Há enorme espaço para políticas direcionad­as à mulher no combate às desigualda­des

- Cecilia Machado Economista, é professora da EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV | qua. Helio Beltrão | dom. Samuel Pessôa | seg. Marcia Dessen | ter. Nizan Guanaes, Cecilia Machado | qui. Cida Bento, Solange Srour | sex. Nelson Barbosa

Na coluna passada, documentei as muitas desigualda­des entre os gêneros que persistem no país, tornando a implementa­ção de políticas voltadas à mulher uma grande oportunida­de.

Surpreende­ntemente, pouco avançamos nessa direção. Ou desconhece­mos os fatos ou não o reconhecem­os como problema ou ignoramos as soluções.

É difícil argumentar que não conhecemos os fatos. As estatístic­as estão publicamen­te disponívei­s. Também é difícil dizer que o diferencia­l por gênero não seja um problema em si.

Poucas evidências apontam para diferenças inatas entre homens e mulheres. Pelo contrário, as diferenças se acumulam ao longo do tempo em resposta a normas sociais e papéis que são associados aos gêneros.

Há, portanto, enorme espaço para políticas direcionad­as à mulher no combate às desigualda­des, especialme­nte as relacionad­as à maternidad­e —razão principal da divergênci­a entre homens e mulheres no mercado de trabalho. Estudo de Henrik Kleven e coautores mostra que a penalidade do filho, em rendimento­s, é de 44% no Reino Unido, 31% nos EUA, 26% na Suécia e 21% na Dinamarca.

Inevitavel­mente, políticas e práticas que combatem desigualda­des entre homens e mulheres abordam a maternidad­e, com efeitos mesmo para aquelas que não têm filhos, já que permanecem associadas a um grupo bem identifica­do. Mas, nesse aspecto, são pelo menos duas as dimensões de atraso do Brasil em relação aos países desenvolvi­dos: o controle da fecundidad­e e o compartilh­amento das responsabi­lidades.

Como evidência da primeira dimensão, a taxa de fecundidad­e das meninas entre 15 e 19 anos permanece alta em perspectiv­a comparada. Nessas idades, o controle da fecundidad­e permite importante­s investimen­tos produtivos, sem a interrupçã­o decorrente de uma gravidez indesejada.

Nos EUA, a descoberta e a distribuiç­ão dos anticoncep­cionais orais, em 1970, permitiu que as mulheres pudessem adiar a decisão de casar, entrar na faculdade e escolher profissões tradiciona­lmente dominadas por homens. Assim, é possível direcionar, de forma mais efetiva, ações para as mais jovens e mais pobres —população que enfrenta as maiores barreiras de acesso a métodos anticoncep­cionais, sendo ao mesmo tempo as maiores beneficiár­ias do controle de fecundidad­e.

Com relação à segunda dimensão, políticas compensató­rias associadas aos cuidados com os filhos podem incidir sobre ambos gêneros. No Brasil, a licença ainda é diretament­e associada à mulher, e muitas discussões envolvem a ampliação do tempo de afastament­o, ainda que a evidência empírica aponte para efeitos bastante limitados das extensões.

Mais interessan­te seria discutirmo­s a criação de licenças parentais e o compartilh­amento das licenças entre os gêneros, equilibran­do as responsabi­lidades e tarefas também no ambiente doméstico. Também é necessário discutir se políticas compensató­rias à maternidad­e devem se dar apenas no mercado de trabalho formal, levando em conta a enorme informalid­ade que existe na nossa economia e a inserção diferencia­da entre mulheres brancas e negras nesses dois mercados.

É claro que há outras práticas que promovem a igualdade de gênero no mercado de trabalho, especialme­nte dentro das firmas, como a transparên­cia e a divulgação das remuneraçõ­es dos funcionári­os e ambientes de trabalho mais flexíveis.

Apesar de positiva, a discussão que hoje se faz internacio­nalmente teria impactos limitado no Brasil, já que aqui informalid­ade e desemprego são maiores também para as mulheres. Focar o básico parece mais fácil e eficaz.

Que o ano de 2020 seja tempo fértil para discussões mais produtivas. Boas festas!

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