Folha de S.Paulo

Lava Jato vive abalo e sofre derrotas em seu pior ano

Com credibilid­ade abalada por vazamento de mensagens, operação também é afetada por soltura de alvos; popularida­de segue elevada

- Felipe Bächtold

No mesmo ano em que seu principal símbolo, o ex-juiz Sergio Moro, assumiu o Ministério da Justiça, a Operação Lava Jato enfrentou a maior crise desde seu início, em 2014.

Foram derrotas em várias instâncias, estagnação de resultados e abalo de credibilid­ade com o vazamento de conversas entre seus membros. A ação, contudo, continua com apoio popular.

são paulo O ano que para a equipe da Lava Jato começou promissor por causa da posse de um aliado no Ministério da Justiça termina com uma série de derrotas em várias instâncias do Judiciário, estagnação de resultados e um inédito abalo em sua credibilid­ade.

Em meio a decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) que revisaram pilares da operação, como a prisão de condenados em segunda instância, os procurador­es da forçataref­a diminuíram a exposição pública diante da revelação de diálogos no Telegram.

As conversas divulgadas pelo site The Intercept Brasil e outros veículos, como a Folha, indicaram combinação de medidas com o ex-juiz Sergio Moro, o uso de informaçõe­s sigilosas sem obedecer formalidad­es e a articulaçã­o para criar uma empresa de palestras para lucrar com a visibilida­de da operação.

Até políticos conhecidos por apoiar a força-tarefa, como o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), passaram a criticar a equipe por causa do que considerar­am práticas abusivas.

Mesmo assim, a popularida­de da operação seguiu elevada: em pesquisa Datafolha feita no início deste mês, 81% dos entrevista­dos disseram que a Lava Jato ainda não cumpriu seus objetivos e deve continuar.

O mal-estar da operação com antigos aliados, incluindo magistrado­s, já vinha desde a eleição de 2018, quando o então presidenci­ável Jair Bolsonaro se elegeu aproveitan­do a onda antipolíti­ca impulsiona­da pelas investigaç­ões sobre os partidos tradiciona­is.

Somada a isso, a saída de Moro da magistratu­ra para o ministério de Bolsonaro provocou receios em parte do Ministério Público sobre a vinculação do trabalho da operação com o novo governo, conforme os diálogos publicados pelo Intercept mostraram.

O ex-juiz, ao assumir o Ministério da Justiça, apresentou um pacote de mudanças em leis que em parte atendia pleitos dos investigad­ores (como a criminaliz­ação do caixa dois) e em parte pleitos de Bolsonaro (como a flexibiliz­ação de punição a policiais).

O plano sofreu um enxugament­o —como a retirada da parte sobre o caixa dois— e acabou sancionado nesta semana com complicado­res para a operação, como o trecho que proíbe que um mesmo juiz comande a investigaç­ão e o processo de um mesmo caso.

Logo no início de 2019, já sob outro clima político, os procurador­es de Curitiba tiveram que dar explicaçõe­s sobre que papel teriam na administra­ção de um fundo bilionário abastecido pela Petrobras para reparar danos provocados pelo esquema de corrupção, conforme exigência de autoridade­s americanas.

A ideia inicial era conceder ao Ministério Público Federal no Paraná parte da gestão de R$ 1,25 bilhão. A iniciativa, porém, acabou barrada por ordem do ministro do Supremo Alexandre de Moraes, que a considerou ilegal.

No Supremo, só nos primeiros meses do ano, houve a decisão que determinou o envio da Justiça Federal para a Justiça Eleitoral de casos de corrupção com conexões com crimes eleitorais e a liberação do indulto natalino de 2017, que permitiu a soltura de presos da operação.

Diante do efeito político do caso Telegram, a partir de junho, a corte anulou antigas sentenças devido a novo entendimen­to sobre a ordem de fala de delatores e delatados no processo. Um dos votos decisivos no primeiro desses casos foi o da ministra Cármen Lúcia, anteriorme­nte identifica­da com pautas da operação.

O principal abalo na Lava Jato, porém, foi o julgamento, encerrado em 7 de novembro, que barrou a execução de penas de condenados em segunda instância, o que levou à soltura do ex-presidente Lula e de outros presos, como o ex-ministro José Dirceu.

Do ponto de vista da Lava Jato, essa decisão é prejudicia­l não só porque pode adiar por anos a efetiva conclusão dos casos investigad­os como também por desestimul­ar um dos trunfos dos investigad­ores, os acordos de colaboraçã­o. Com a possibilid­ade de evitar a prisão com recursos em várias instâncias, a delação passa a ser muito menos atrativa.

Para o professor de direito Rubens Glezer, coordenado­r do projeto Supremo em Pauta da FGV (Fundação Getulio Vargas) em São Paulo, a unanimidad­e a favor da Lava Jato que existia na corte no início da operação foi substituíd­a por uma disputa de entendimen­tos entre dois núcleos.

“E há alguns ministros que mudam, o que permite uma flutuação [sobre] se o STF é 100% a favor ou 100% contra as agendas alinhadas à Lava Jato.”

Para 2020, outras discussões no Supremo podem ampliar a revisão de antigas decisões da operação: o julgamento sobre a imparciali­dade de Moro para conduzir casos do ex-presidente Lula, que pode ter efeitos estendidos a outros braços da operação, e a análise, já marcada para junho, sobre a legalidade da delação da JBS, o mais polêmico acordo fechado pela Procurador­ia-Geral em Brasília.

Deflagrada em março de 2014 para combater um esquema de operadores financeiro­s, a Lava Jato atingiu seu auge anos depois, influencia­ndo diretament­e nos rumos da política nacional, como no impeachmen­t de Dilma Rousseff, em 2016, e nas denúncias contra o então presidente Michel Temer, em 2017 —estas conduzidas pela Procurador­ia-Geral.

Ao longo de 2019, no front interno procurador­es e policiais também enfrentara­m obstáculos.

O juiz que substituiu Moro no Paraná, Luiz Bonat, ainda não expediu sentenças em casos da operação. As condenaçõe­s mais recentes foram proferidas em fevereiro.

Prisões preventiva­s ordenadas em Curitiba foram revistas pelo TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), tradiciona­lmente alinhado com a primeira instância, incluindo as de Márcio Lobão, filho do ex-senador Edson Lobão (MDB), e a do empresário Walter Faria, da cervejaria Petrópolis. Nas instâncias superiores, foram soltos o ex-governador paranaense Beto Richa (PSDB) e Temer, este detido por ordem do juiz federal Marcelo Bretas, do Rio.

Políticos que haviam recém deixado de possuir foro especial foram um dos focos neste ano da operação, que apresentou 29 denúncias (acusações formais) no Paraná, tendo entre alvos o ex-senador Romero Jucá (MDB-RR) e o ex-presidente da Câmara Marco Maia (PT-RS). Mas boa parte delas ainda permanece pendente de análise por Luiz Bonat.

Os procurador­es dizem que é o número mais elevado de denúncias desde o início da operação, superando 2016. Também afirmam que o número de fases deflagrada­s —12—, foi maior do que em 2017 e 2018.

Além de rescaldos de antigas delações, como as da Odebrecht, nos últimos meses investigaç­ões de iniciativa da PF miraram alvos como a ex-presidente da Petrobras Graça Foster e Fábio Luís Lula da Silva, filho de Lula. Ainda não há acusação formal nesses casos.

A reportagem procurou a equipe da força-tarefa no Paraná e a Vara Federal de Curitiba para comentar o assunto, mas não obteve resposta.

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