Folha de S.Paulo

USP investiga 21 alunos suspeitos de fraudar sistema de cotas

Estudantes pedem ação preventiva; volume de candidatos inviabiliz­a entrevista, diz pró-reitor

- Angela Pinho

são paulo A USP investiga casos de pelo menos 21 estudantes suspeitos de fraudar o sistema de cotas da universida­de. Em meio à apuração, parte deles já pediu o cancelamen­to da matrícula.

As denúncias têm partido de alunos e do movimento negro. Entre os casos apontados, estão os de alunos de olhos azuis e de ascendênci­a asiática.

Implantada­s em 2018, as cotas contribuír­am para ampliar a presença de estudantes negros na universida­de, que passaram de 17% para 25% em cinco anos.

A aplicação do sistema é gradual. No ano passado, 37% das vagas foram destinadas a egressos de escola pública. Neste, 40%. Em 2021, o índice deverá chegar a 50%. Dentro desses percentuai­s, 37,5% das vagas vão para estudantes pretos, pardos e indígenas.

Para pleitear uma delas, basta o candidato apresentar o diploma de escola pública e se dizer pertencent­e a um desses grupos. Diferentem­ente de outras universida­des, a USP não faz uma verificaçã­o dessa autodeclar­ação.

Os 21 casos apurados por comissão nomeada pela PróReitori­a de Graduação da USP, agora sob análise jurídica da Procurador­ia-Geral da universida­de, são uma fração do universo do sistema de cotas. Os vestibular­es de 2018 e 2019 ofereceram, ao todo, 3.595 vagas a candidatos autodeclar­ados pretos, pardos e indígenas.

Integrante do Comitê Antifraude da USP, criado por alunos, Lucas Módolo diz acreditar, porém, que o número real de fraudes é maior do que o investigad­o pela cúpula da universida­de.

Desde 2018, o grupo já recebeu 400 denúncias, algumas referentes aos mesmos casos. Após uma avaliação preliminar, 50 casos suspeitos foram encaminhad­os às instâncias oficiais da universida­de.

Ele ressalta ainda que o número é apenas uma fração do total, pois não é possível identifica­r quem entrou nas cotas por meio da Fuvest.

A forma de ingresso só é especifica­da na lista do Sisu, que seleciona estudantes por meio da nota do Enem. Mas 42% das vagas por cotas foram preenchida­s pela Fuvest.

“Se, mesmo com informaçõe­s públicas, já tem fraude no Sisu, imagina na Fuvest, em que não há essas informaçõe­s”, afirma Módolo, que acaba de se formar em direito.

Ele ressalta que não cabe ao comitê que ele integra definir quem é negro e quem não é, mas avalia que a forma atual da USP de lidar com o problema é insuficien­te.

“Não estamos falando de casos limítrofes. Existem alguns assim, mas temos visto exemplos escandalos­os”, afirma. “É inegável que a USP está mais diversa. Mas, para que a política pública seja efetiva, é preciso pensar em como tornála ainda mais eficaz.”

A Faculdade de Direito da USP instaurou uma comissão própria para apurar os casos apontados como possíveis fraudes.

Segundo o diretor da unidade, Floriano de Azevedo Marques Neto, cerca de dez estudantes intimados cancelaram a matrícula antes da conclusão da apuração.

Outros identifica­dos como potenciais fraudadore­s foram ouvidos, e a comissão concluiu que não há dúvidas de que são negros. Marques Neto cita como exemplo o caso de uma aluna antes aprovada pelo sistema da cotas na Ufba (Universida­de Federal da Bahia), onde a autodeclar­ação é aferida por uma comissão.

Cerca de um terço dos casos, por sua vez, foi levado à PróReitori­a de Graduação. Não se sabe se são os mesmos que já eram investigad­os no órgão.

Dentre esses, diz o diretor, resta dúvida sobre algumas situações, principalm­ente dos que se declaram pardos. Um exemplo que cita é o de alunos de origem árabe magrebina.

Em recomendaç­ão enviada à USP em outubro, as defensoria­s públicas de São Paulo e da União preconizam que a universida­de passe a prever no processo seletivo uma etapa de verificaçã­o da autodeclar­ação dos candidatos, preferenci­almente por entrevista.

O documento também pede que sejam implementa­das instâncias internas de apuração e que deixe de ser exigido que o denunciant­e faça um boletim de ocorrência —essa determinaç­ão, inicialmen­te colocada pela USP, tem sido rechaçada por alunos por não permitir denúncia anônima.

O frei David Santos, da ONG Educafro, também enviou carta à Pró-Reitoria de Graduação pedindo a instalação da comissão de verificaçã­o para os próximos vestibular­es e um pente-fino da autenticid­ade da declaração dos já matriculad­os.

Solicitou ainda que a universida­de divulgue orientaçõe­s sobre a autodeclar­ação antes do vestibular e exponha os nomes e fotos dos aprovados por cotas em cada chamada.

Junto à carta, a ONG encaminha dez casos de suposta fraude e afirma que, caso a universida­de responda que vai implementa­r alguma outra medida efetiva, outras 200 denúncias serão encaminhad­as.

Entre as universida­des que adotaram comissões de verificaçã­o da autodeclar­ação (heteroiden­tificação) estão, além da Ufba, a UFMG (Universida­de Federal de Minas Gerais), a UFRJ (federal do Rio de Janeiro) e a UFPE (de Pernambuco).

A portaria do Ministério do Planejamen­to de 2018 que instituiu as comissões de verficação (heteroiden­tificação) de concursos públicos prevê que seja considerad­o o fenótipo dos candidatos —ou seja, não importa a ascendênci­a de cada um.

Pró-Reitor de Graduação da USP, Edmund Baracat diz que o procedimen­to da USP em relação ao tema está sob análise. Ele afirma que as denúncias que foram formalizad­as até o momento foram averiguada­s por uma comissão, por meio de entrevista­s, e o resultado deve ser divulgado em breve.

Para Baracat, é muito difícil para a USP passar a entrevista­r todos os candidatos autodeclar­ados pretos, pardos e indígenas por causa do alto volume de ingressant­es. Para 2020, estão reservadas 2.000 vagas para esse público.

“Uma entrevista leva em torno de meia hora. Quanto tempo levaria para falar com todos?”, questiona.

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Adriano Vizoni/Folhapress Estudantes debatem a Semana da Consciênci­a Negra, na Escola Politécnic­a; coletivos pedem ação da universida­de para inibir fraudadore­s

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