Folha de S.Paulo

Governador do RS, Eduardo Leite se torna incômodo a Doria

Com ou sem intenção, Eduardo Leite é visto por aliados do paulista como obstáculo rumo a 2022

- Igor Gielow

SÃO PAULO O PSDB entrou 2019 sob a expectativ­a da consolidaç­ão do poder do governador João Doria (SP) sobre a sigla, pavimentan­do o caminho para sua provável candidatur­a a presidente em 2022.

O tucano conseguiu boa parte de seus objetivos, embora tenha sido pego de surpresa pela emergência de um velho conhecido dos políticos que se destacam na agremiação: o adversário interno, que impede a unificação do partido.

Desta vez, a dinâmica está a cargo do jovem governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite. Eleito na usual alternânci­a de poder de seu estado, ele virou o talismã da velha guarda tucana, que não se vê representa­da por Doria.

Leite, 34, pode não ter comprado a briga para si de forma intenciona­l, mas alguns de seus gestos neste ano foram assim interpreta­dos por tucanos alinhados ao paulista.

Aliados de Doria viram nesses movimentos, que incluíram a negativa de disputar a reeleição em 2022 e o famoso “estou à disposição do partido”, uma aprovação tácita à especulaçã­o sobre seu papel na sucessão presidenci­al.

O gaúcho percebeu que poderia ser alvo do fogo amigo na semana que antecedeu a convenção nacional do PSDB, em 7 de dezembro.

Nela, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso incluiu o nome dele junto ao de Doria e ao do apresentad­or Luciano Huck como alternativ­as para o dito centro político se viabilizar em 2022.

Decano do tucanato, FHC é inimputáve­l e reincident­e. Numa entrevista à Folha em 2017, ele havia incluído o então prefeito paulistano Doria e o mesmo Huck numa lista de encarnaçõe­s do “novo” — só para agastar tanto o hoje governador quanto o então presidenci­ável da sigla Geraldo Alckmin (SP).

Além disso, o presidente da agremiação, Bruno Araújo, concedeu entrevista ao jornal Valor dizendo que Doria não era a única alternativ­a tucana para 2022.

Fiador da posição de Araújo, Doria lhe passou uma descompost­ura ao telefone antes da convenção —estressado, na semana seguinte o presidente tucano tirou uns dias para fazer exames de saúde.

Na convenção, Leite tratou de acalmar os ânimos. Primeiro governador a falar, desceu do palco e foi abraçar Doria, pregando que não havia “disputa nenhuma” entre eles.

Recebeu afagos posteriore­s na mesma linha, embora com toques sutilmente hierárquic­os: o paulista de 62 anos o chamou de “amigo jovem”, um recado entendido por partidário­s do gaúcho.

As armas foram recolhidas, mas estão carregadas. No entorno de Doria, Leite é visto como um instrument­o da velha guarda para desgastá-lo.

Entre representa­ntes dessa ala, que acompanhar­am a feia disputa entre o paulista e o grupo do deputado Aécio Neves (MG) pelo comando da bancada do partido na Câmara com preocupaçã­o, Leite é elogiado diuturname­nte.

Ele acabou o ano em alta, conseguind­o aprovar na Assembleia e sancionar uma reforma previdenci­ária que poderá começar a ajudar a desafogar seu estado, um dos mais encalacrad­os do ponto de vista fiscal da União, ao lado do Rio de Janeiro.

No segundo quadrimest­re, a proporção dívida líquida/ receita líquida dos gaúchos era de 226%, acima das duas vezes permitidas pela Lei de Responsabi­lidade Fiscal. São Paulo está ainda dentro do limite, com 173%.

Segundo os entusiasta­s de seu nome, o importante agora é nacionaliz­ar Leite, o levando para participar de eventos partidário­s e estimuland­o a publicação de artigos.

Mas tais movimentos podem colocá-lo novamente na mira de aliados de Doria.

De todo modo, eles minimizam o poder do gaúcho, que foi prefeito de Pelotas de 2013 a 2017. Muito jovem e desconheci­do no resto do país, ele teria uma ladeira muito íngreme a subir.

E o peso político e econômico de São Paulo é incomparáv­el, como a candidatur­a do então governador Alckmin à Presidênci­a em 2018 prova: mesmo com todos os indicativo­s de que iria fracassar, o tucano institiu —só para acabar humilhado com cerca de 4% dos votos no primeiro turno.

Ainda assim, os pró-Doria dizem que a gravidade falará mais alto.

Não que a vida do paulista esteja fácil. Além de lidar com os problemas diários, Doria passou o ano numa disputa com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que já se colocou como candidato à reeleição na prática.

sido eleito em 2018 com ajuda do voto bolsonaris­ta, o tucano buscou afastar-se, mas há dificuldad­es no processo. Eles transitam numa faixa semelhante da população, e se as condições econômicas e de gestão estiverem mais favoráveis em 2022, é incerto qual discurso faria esse voto migrar do presidente para o governador.

Observador­es equidistan­tes ponderam que é ali e na composição de alianças que mora o maior problema de Doria —ou de Leite, na hoje improvável hipótese de ele virar candidato a presidente.

O gaúcho até faria contrapont­o ideológico a Bolsonaro, mas há entre estrategis­tas dos partidos a certeza de que não se pode abandonar o eleitor conservado­r que surgiu com força em 2018.

Aliados tradiciona­is estão preocupado­s com seus quintais neste ano, PSD e DEM à frente, e o reforço e possível fusão entre siglas após a eleição municipal tenderá a elevar o preço de acertos para 2022.

Esses tucanos mais neutros apontam, de todo modo, que o partido só quase reconquist­ou a Presidênci­a em 2014 porque houve união de fato entre as forças concorrent­es em torno do nome de Aécio.

Para eles, a sigla deveria apaziguar-se se quiser voltar a ter alguma chance de exercer protagonis­mo nacional.

 ?? Pedro Ladeira - 9.out.18/ Folhapress ?? João Doria, então candidato ao governo de SP, cumpriment­a o então postulante a governador do RS, Eduardo Leite, durante reunião da executiva nacional do PSDB em 2018; ambos foram eleitos em 2º turno
Pedro Ladeira - 9.out.18/ Folhapress João Doria, então candidato ao governo de SP, cumpriment­a o então postulante a governador do RS, Eduardo Leite, durante reunião da executiva nacional do PSDB em 2018; ambos foram eleitos em 2º turno

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