Folha de S.Paulo

Vídeo de ataque à sede do Porta dos Fundos é verdadeiro, diz polícia

Delegado afirma que não pode dar certeza se há relação entre atentado e o especial com Jesus gay

- Júlia Barbon e Ana Luiza Albuquerqu­e

rio de janeiro Um vídeo que mostra o ataque à produtora do grupo Porta dos Fundos é verdadeiro, mas ainda não se sabe quem são os seus autores, informou a Polícia Civil do Rio de Janeiro em entrevista à imprensa nesta quinta (26).

Segundo o delegado Marco Aurélio de Paula Ribeiro, a gravação que mostra homens encapuzado­s arremessan­do coquetéis molotov no edifício na madrugada desta terça-feira (24), que está circulando nas redes sociais desde quarta (25), é compatível com as imagens das câmeras de segurança do local.

No vídeo, um grupo que se identifica como o Comando de Insurgênci­a Popular Nacionalis­ta da Família Integralis­ta Brasileira reivindica o ataque e critica o grupo Porta dos Fundos.

Antes das imagens do atentado, um homem aparece sentado lendo um manifesto à frente de outros dois integrante­s que estão em pé, com os braços cruzados. Todos vestem toucas ninja e roupas da cor verde-escuro.

O homem sentado se apoia sobre uma mesa, na qual uma bandeira do Império está estendida. Na parede, foi pendurada uma bandeira com o símbolo do integralis­mo —movimento nacionalis­ta e autoritári­o, pautado na defesa dos valores religiosos e conservado­res..

O homem diz que o ataque foi uma “ação direta revolucion­ária”, que buscou “justiçar os anseios de todo povo brasileiro contra a atitude blasfema, burguesa e antipatrió­tica” do Porta dos Fundos.

A Frente Integralis­ta Brasileira (FIB), principal movimento integralis­ta do país, negou à polícia e nas redes sociais ligação com o atentado. “O grupo em questão é desconheci­do pela FIB e não possuímos com ele qualquer relação”, escreveram em nota.

“Não temos certeza sobre a autenticid­ade do vídeo, e por isso não descartamo­s a possibilid­ade de ter sido um material forjado com o fim de incriminar os integralis­tas. Entre os integralis­tas é proibido o uso de máscaras para fins de militância. O uso de máscaras para tais fins é, com efeito, uma atitude anti-integralis­ta”, defenderam.

A princípio, a delegacia de Botafogo registrou o crime como explosão e tentativa de homicídio contra um vigilante que estava no prédio naquela noite e apagou o fogo.

“De fato teve explosão no local, e uma pessoa não morreu por circunstân­cias alheias à vontade dos autores”, disse o delegado Fábio Baruck, subsecretá­rio de planejamen­to operaciona­l. O ato não foi considerad­o terrorismo, mas ele diz que nenhuma hipótese é descartada ainda.

O que a polícia sabe é que ao menos quatro homens participar­am diretament­e da ação, dois em uma moto e dois em um carro. As placas já foram identifica­das e as caracterís­ticas físicas dessas pessoas foram mapeadas, mas, segundo Ribeiro, que é titular da delegacia de Botafogo, ainda não se sabe os nomes delas.

Todos que estavam próximos à produtora no momento da explosão estão sendo ouvidos, e os donos dos veículos serão chamados a depor.

Questionad­o sobre a relação do atentado com o especial de Natal do Porta dos Fundos, ele respondeu apenas que “existe essa possibilid­ade”.

O filme retrata um Jesus gay (Gregorio Duvivier), que se relaciona com o jovem Orlando (Fábio Porchat), e um Deus mentiroso (Antonio Tabet) .

Até a última sexta (20), já havia no país ao menos sete ações tramitando na Justiça contra o serviço de streaming Netflix, em que o conteúdo está disponível, ajuizadas por lideranças de igrejas cristãs que se dizem ofendidas.

Antes da entrevista coletiva, os delegados responsáve­is pelo caso se reuniram com o ator João Vicente de Castro, do Porta dos Fundos, e um advogado. “A gente não está falando aqui sobre o Porta dos Fundos, a gente está falando sobre liberdade de expressão”, afirmou o artista.

“A gente tem um ato violento que aconteceu e que a gente não vai deixar que aconteça. A gente confia totalmente no trabalho da polícia, por isso viemos fazer essa reunião aqui hoje. A gente precisa cortar esse mal pela raiz”, concluiu.

O governador Wilson Witzel (PSC) também comentou o caso em evento na manhã desta quinta: “Queremos, no prazo mais rápido possível, encontrar quem são os autores dessaespéc­iedeatenta­doedar imediatame­nte à sociedade asresposta­snecessári­as.Nosso governo é contra qualquer manifestaç­ão de violência contra quem quer que seja”, afirmou.

O atentado repercutiu na imprensa internacio­nal.

Sob o título “Criadores de especial da Netflix com Jesus gay sofrem ataque com coquetel molotov”, o site da americana NBC lembrou que o grupo Porta dos Fundos havia recebido o prêmio Emmy pelo especial “Se Beber Não Ceie”, de 2018, num programa que mostrava drogas e prostituiç­ão.

No site da revista Variety, a reportagem sobre o Jesus gay do Porta dos Fundos era o texto mais lido na tarde desta quinta (26). O artigo menciona a criação de uma petição por pessoas que se sentiram ofendidas.

O ocorrido também ganhou destaque no site da revista Hollywood Reporter, que lembrou do Emmy recebido pelo especial de 2018.

O site Deadline, após relatar o ataque, diz que Jair Bolsonaro é “homofóbico com orgulho” e que disse que preferia ter um filho morto do que gay.

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Divulgação Fábio Porchat, à dir., em cena do especial do Porta dos Fundos na Netflix

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