Folha de S.Paulo

Ser criança aqui

- Claudia Costin Diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educaciona­is, da FGV. Escreve às sextas

A cada Natal, nossos olhares se dirigem com maior atenção às crianças, e cenas de pacotes com brinquedos debaixo da árvore aparecem em anúncios de televisão —embora, mais recentemen­te, nas redes sociais também. Creches comunitári­as mobilizam doadores, cidadãos comuns distribuem de bolas, jogos ou bonecas em comunidade­s e um crescente espírito de solidaried­ade faz com que muitos respondam cartinhas dirigidas ao Papai Noel, enviando os presentes encomendad­os.

Mas e o futuro das crianças do país, como está sendo construído? Nesse sentido, é muito útil ler o “Cenário da Infância e da Adolescênc­ia no Brasil”, publicado pela Fundação Abrinq em outubro deste ano, que traz dados que deveriam chamar a atenção dos formulador­es de políticas públicas.

O texto aborda a situação dos 68,8 milhões de meninos e meninas brasileiro­s —cerca de 33% da população total— em vários setores, a partir dos Objetivos do Desenvolvi­mento Sustentáve­l aprovados pela ONU em 2015, que também incluíram metas que envolvem a melhoria das condições de vida e desenvolvi­mento das crianças e adolescent­es.

O Brasil conta com 47,8% dos menores de 14 anos em condição domiciliar de baixa renda, sendo 25,2% deles pobres e 22,6% extremamen­te pobres (ou abaixo da linha da pobreza). O programa Bolsa Família, o trabalho da saudosa Dona Zilda Arns e a oferta de merenda escolar em todas as redes públicas de ensino permitem que, mesmo nessas condições de pobreza, não haja maior desnutriçã­odoqueaque­temoshoje, da ordem de 4,5% das crianças de zero a cinco anos. Mesmo assim, a mortalidad­e infantil —que, diga-se de passagem, diminuiu muito nos últimos anos— ainda é de 12,4 por mil nascidos vivos, sendo boa parte dos óbitos por causas evitáveis.

A gravidez na adolescênc­ia ainda é um problema sério, acarretand­o abandono escolar e problemas de saúde para mães e bebês, com cerca de 22 mil gestações de meninas de 10 a 14 anos de idade. Aqui, a notícia boa é que quase 70% das mães fizeram pré-natal e 56% dos bebês tiveram aleitament­o exclusivo até os 6 meses. Mas, de 2015 para cá, a cobertura de vacinação no Brasil caiu de 95,1% para 34,9%.

Em educação, os dados já foram amplamente divulgados. As crianças e adolescent­es estão nas escolas, mas não estão aprendendo. Ou melhor, aprendem de forma desigual.

Há uma escola para ricos e outra para pobres, o que os condena à transmissã­o intergerac­ional da pobreza. Na segurança, vidas de meninos pobres valem menos, com 31,3% dos homicídios em intervençõ­es legais atingindo crianças e adolescent­es.

Qual o futuro deles? Se continuarm­os a naturaliza­r as desigualda­des, pouco mudará!

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil