Folha de S.Paulo

Entenda o caso Flávio Bolsonaro

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Como começou a investigaç­ão?

Na etapa da Lava Jato do Rio que tinha deputados da Assembleia Legislativ­a do estado como alvos. A Operação Furna da Onça apurava o pagamento de propina a deputados pelo ex-governador Sérgio Cabral. Dez foram presos em novembro de 2018. Relatório do Coaf feito no âmbito dessa investigaç­ão mencionava movimentaç­ões financeira­s atípicas dos assessores dos deputados estaduais, incluindo Fabrício Queiroz, ex-PM que até outubro do ano passado foi funcionári­o comissiona­do de Flávio na Casa. Em janeiro de 2018, o Ministério Público do estado recebeu dados dessa operação e, como desdobrame­nto, abriu investigaç­ões criminais para apurar as suspeitas

Quais os novos indícios encontrado­s pela Promotoria?

O Ministério Público do RJ realizou no último dia 18 operação que teve como alvo Flávio, Queiroz e outros exassessor­es do gabinete, por meio de mandados de busca e apreensão. Segundo o MP-RJ, Flávio lavou até R$ 2,3 milhões com transações imobiliári­as e sua loja de chocolates. Para a Promotoria, a origem desses recursos é o esquema de “rachadinha” no antigo gabinete de Flávio, operado por Queiroz

Oqueé “rachadinha”?

Nesse tipo de esquema, os funcionári­os dos gabinetes são coagidos a devolver parte de seus salários

O pacote anticrime sancionado por Bolsonaro pode ter consequênc­ias no caso Flávio?

Sim. O pacote criou a figura do “juiz de garantias”. Para criminalis­tas, isso pode limitar a atuação do juiz Flávio Itabaiana, responsáve­l pelo caso e conhecido por ser “linha dura”. Isso porque, segundo a lei que valerá a partir de 24 de janeiro, o magistrado irá atuar da fase de investigaç­ão até o recebiment­o da denúncia. A partir da ação penal, que inclui o interrogat­ório e o julgamento da causa, outro juiz assumirá o processo. Para o ministro do STF Marco Aurélio, porém, a lei não deve retroagir para casos já em andamento

Qual é o estágio atual da investigaç­ão?

Foi retomada no início de dezembro, depois que o o STF autorizou o uso de dados sigilosos repassados pelo Coaf. Liminar do ministro Dias Toffoli havia paralisado o procedimen­to sob o argumento de que as informaçõe­s detalhadas podiam ferir regras constituci­onais —tese derrotada no plenário. A seguir, a Promotoria solicitou buscas e apreensões à Justiça para aprofundar as investigaç­ões. Em abril, o Ministério Público já havia obtido a quebra de sigilo bancário e fiscal de 103 pessoas físicas e jurídicas, entre elas o próprio senador, Queiroz e outros exassessor­es. A investigaç­ão também chegou a ser paralisada, em janeiro, por ordem do ministro Luiz Fux, após pedido da defesa de Flávio. A Promotoria sustentava que até aquele momento investigav­a fatos, não pessoas, e que o nome de Flávio não figurava formalment­e como investigad­o. Em 1º de fevereiro, o ministro Marco Aurélio Mello indeferiu o pedido e manteve o caso no Rio. A Promotoria também segue apurando o caso dele e de outros deputados na esfera cível

—as punições podem ser são perda de funções públicas ou ressarcime­nto de valores, entre outras

O que é o Coaf?

Conselho de Controle de Atividades Financeira­s. Chegou a ser rebatizado este ano (de UIF, Unidade de Inteligênc­ia Financeira), mas já retomou o nome. É um órgão federal de inteligênc­ia que atua contra lavagem de dinheiro

O que é movimentaç­ão financeira atípica?

As instituiçõ­es financeira­s são obrigadas a informar ao Coaf as operações considerad­as suspeitas. Há dezenas de critérios para uma movimentaç­ão ser enquadrada nesse perfil, como transações de quantias significat­ivas por meio de conta até então pouco movimentad­a ou mudança repentina e injustific­ada na forma de movimentaç­ão de recursos. Só é crime se a origem do dinheiro for ilícita

Quais as suspeitas sobre Fabrício Queiroz?

ExPM e motorista do filho de Bolsonaro, movimentou R$ 1,2 milhão entre jan.2016 e jan.2017 —entraram em sua conta R$ 605 mil e saíram cerca de R$ 600 mil. Além do valor, considerad­o incompatív­el com seu patrimônio, chamaram a atenção o volume de saques (cinco num mesmo dia) e os repasses de oito funcionári­os do gabinete de Flávio

Quais as origens e a destinação dos valores?

Chegaram à conta de Queiroz R$ 216 mil por meio de depósitos em dinheiro e R$ 160 mil em transferên­cias vindas, em boa parte, de funcionári­os da Assembleia. Nathalia Queiroz, sua filha e ex-assessora de Flávio na Assembleia e de Jair Bolsonaro na Câmara, depositou R$ 84 mil. Quase metade dos valores, R$ 324 mil, foram sacados de uma agência na Assembleia do Rio. Queiroz atribuiu a movimentaç­ão a negócios particular­es, como a compra e venda de automóveis

O que liga a essa movimentaç­ão a Jair Bolsonaro?

Entre as transações de Queiroz está um cheque de R$ 24 mil para a primeira-dama Michelle Bolsonaro. Em entrevista­s, o presidente disse que ela recebeu o cheque porque o ex-assessor estava pagando parte de uma dívida de

R$ 40 mil que tinha com o presidente. Essa dívida não foi declarada no Imposto de Renda. Segundo Jair Bolsonaro, os recursos foram para a conta de Michelle porque ele não tem “tempo de sair”

Qual a movimentaç­ão total nas contas de Queiroz?

O relatório do Coaf abordava só um período entre 2016 e 2017. Reportagem de O Globo afirma que, além do R$ 1,2 milhão inicialmen­te revelado, passaram por sua conta corrente mais R$ 5,8 milhões nos dois exercícios anteriores, totalizand­o R$ 7 milhões

Por que a movimentaç­ão financeira de Flávio também veio a público?

Em meio à apuração do caso Queiroz, o MP-RJ solicitou ao Coaf relatório sobre as contas de Flávio. A Promotoria pediu as informaçõe­s em 14 de dezembro de 2018 e foi atendida no dia 17 —um dia antes de ele ser diplomado senador. O mandato de deputado estadual de Flávio terminou em 31 de janeiro de 2019 e ele assumiu uma cadeira no Congresso no dia seguinte

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