Folha de S.Paulo

Senador com anos de hospital socorre colegas em plenário

- Daniel Carvalho

BRASÍLIA Um homem faz um discurso diante de dezenas de pessoas quando repentinam­ente fica pálido, a voz falha e ele cai no chão.

Dois meses se passam e, no mesmo local, outro homem vai ao chão. Desta vez, um senhor de terno claro em convulsão. “Eu quero o serviço médico! Serviço médico urgente!”, diz um grito de socorro.

Os dois casos, que felizmente acabaram bem e com as vítimas recuperada­s, acontecera­m no plenário do Senado e envolveram conhecidos parlamenta­res.

O primeiro episódio foi com o senador Cid Gomes (PDT-CE), hoje licenciado. O segundo, com o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO).

O homem que gritou por socorro ao microfone era o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

Em comum, as duas histórias têm o personagem que fez o atendiment­o emergencia­l dos pacientes, o também senador Otto Alencar (PSD-BA), um dos quatro médicos com mandato na Casa atualmente.

Ortopedist­a formato pela UFBA (Universida­de Federal da Bahia), Otto é especialis­ta em cirurgia de quadril, mas trabalhou em atendiment­o de urgência em pronto-socorro em seu estado por quase 20 anos.

“Quem trabalha em pronto-socorro, quando acontece um problema, é quase automático: você vai para salvar”, afirma o senador baiano, que oficialmen­te deixou a medicina em 2004.

Ele diz que chegou a operar até quando era governador da Bahia, em 2002, quando uma antiga paciente o procurou.

Em atos políticos, Otto lembra que a experiênci­a médica já foi útil, como quando, graças a dois comprimido­s de um vasodilata­dor que carregava na carteira, salvou um adversário que enfartava em sua frente.

Em maio, quando passava pelo interior da Bahia, viu um motociclis­ta ser atropelado e mandou que seu motorista parasse o carro.

“Vi que estava com traumatism­ocranience­fálico, sem respirar direito. Fiz[ respiração] boca abo canele, botei dentro do carro e levei para Alagoinhas [município próximo]”, diz o médico senador.

No Congresso, leva para seu gabinete uma mala com medicament­os para uma eventual necessidad­e.

“Remédio que não acaba nunca: analgésico, anti-inTendo flamatório, [medicação] para dormir... É para atender o pessoal”, conta.

E os colegas o procuram. Ele lembra que passou a ser chamado de “meu médico” pela ex-senadora Lúcia Vânia depois que a tratou de uma fascite plantar, inflamação de uma membrana que recobre a musculatur­a da sola do pé.

No dia 3 de setembro, atendeu sua primeira emergência na Casa. Cid Gomes estava na tumultuada sessão em que se discutia a cessão onerosa.

Cid lia seu relatório sobre a divisão de recursos do petróleo com estados e municípios quando começou a passar mal. Ele tem síncope vasovagal, que causa mudança abrupta de pressão.

Otto estava sentado no plenário e correu até a tribuna. Ergueu as pernas de Cid e as apoiou sobre os próprios ombros, para que o sangue dos membros inferiores fosse para a cabeça.

Na hora, o colega cearense se recuperou.

Tempo depois, na sessão do dia 19 de novembro, Otto se assustou ao ver Kajuru tendo uma convulsão.

“Ele ficava se debatendo todo, o olho virou. Quando vi, corri, meti a mão na boca. Botei o lenço para a língua dele não obstruir a traqueia e ele voltar a respirar”, detalha o socorrista.

O serviço médico do Senado logo retirou Kajuru de maca de dentro do plenário. Depois disso, o senador precisou ser internado.

Boletim médico do hospital em que ficou informou que exames revelaram uma cicatriz no cérebro, provável resultado de uma infecção antiga já resolvida.

Esta cicatriz, associada ao estresse, diz a nota, pode ter contribuíd­o para a crise convulsiva.

O senador já recebeu alta e passou a chamar o colega médico de “Otto de Deus”. “Em medicina, 90% se resolve com boa vontade e aspirina”, diz o senador doutor.

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Pedro França - 10.jul.18/Agência Senado O senador Otto Alencar

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