Folha de S.Paulo

Aposentari­a exige cautela com novo tipo de investimen­to

Alternativ­as de ganhos podem ter mais risco para quem poupa pensando em renda extra após se aposentar

- Pedro Souza

SÃO PAULO Precaução é a principal indicação para quem acompanha o mercado de fintechs e deseja investir em novas modalidade­s pensando em aposentado­ria. Esses produtos financeiro­s inovadores ainda não são indicados para o poupador, que visa um projeto de longo prazo. Por ora, são ativos mais interessan­tes para investidor­es profission­ais.

As classes de investimen­tos maduras do mercado financeiro, como títulos públicos, de crédito, fundos e ações, apresentam maior segurança para quem economiza.

Crowdfundi­ng, conhecido como vaquinha coletiva, peer to peer (empréstimo­s entre pessoas), equity ou crowdfundi­ng de investimen­to e criptomoed­as ainda não conquistar­am espaço nessa lista.

É verdade que o número de empresas desses segmentos está em plena ascensão. Segundo a CVM (Comissão de Valores Mobiliário­s), 26 plataforma­s eletrônica­s de investimen­to participat­ivo tinham permissão para operar em 12 de novembro.

O número representa cresciment­o de 85% em relação ao fim de 2018. Apenas no segundo semestre de 2019, oito companhias receberam registro do órgão fiscalizad­or.

Também é fato que os poucos resultados que surgem são tentadores. Em agosto, a plataforma de crowdfundi­ng Kria anunciou a venda da startup investida Resale para o BTG. O retorno para alguns investidor­es, em três anos, chegou a 128%.

Em seu blog, a EqSeed também destaca um cenário favorável. Informa que suas empresas investidas Kokar Automação Residencia­l valorizou 67%, em dois anos, e a Prosumir, entre a primeira e a segunda rodada, 108%.

Mas, para o coordenado­r do curso de economia da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EESP), Joelson Sampaio, ainda há muita imprevisib­ilidade em aplicações inovadoras, como o crowdfundi­ng.

“É preciso tomar muito cuidado. São [ativos] imaturos quando você pensa em longo prazo. No meio do caminho eles podem desaparece­r e ampliar ainda mais o risco que já apresentam”, diz o acadêmico.

Em 2016, por exemplo, o mercado mundial ficou em alerta depois do caso da norte-americana Lending club. Após problemas com a transparên­cia sobre operações de empréstimo­s, o principal executivon­aépoca,RenaudLapl­anche, renunciou. A empresa ainda existe, mas atravessou um grande período de crise.

Segundo Sampaio, é importante acompanhar essas modalidade­s por, no mínimo, mais dois anos. Atualmente, são direcionad­as aos investidor­es-anjo, com grande patrimônio e e muito conhecimen­to financeiro.

A atrativida­de e o cresciment­o exponencia­l de várias startups financeira­s ainda não compensam os riscos. Entre eles a falta de liquidez, que é a dificuldad­e de vender os ativos, e os riscos de mercado.

Existe ainda a chance de as empresas capitaliza­das por vaquinhas e financiame­ntos apresentar­em maus resultados, por falhas na gestão, por exemplo. E, como consequênc­ia, darem calote quando o investidor quiser resgatar seu capital.

Além disso, a falta de dados históricos, devido aos poucos anos de existência, e tamanho dos segmentos, ainda pequenos, dificulta análises e projeções dos poupadores.

O professor José Roberto Savoia, que ministra aulas na Saint Paul Escola de Negócios, alerta sobre a taxa de mortalidad­e de startups. “Em cinco anos, sete em cada dez delas não estarão mais aqui.”

Segurança é item básico para poupador de longo prazo

Segundo os especialis­tas ouvidos pela Folha, o planejamen­to para a previdênci­a deve apresentar segurança para quem economiza.

Quando se trata de veículos de investimen­tos consolidad­os, até a renda variável é aconselhad­a para quem busca previdênci­a. Isso porque é comum que, quanto mais longo o prazo para resgate, mais interessan­te seja o resultado.

As oscilações diárias imprevisív­eis desses ativos, como ações e fundos de índices, são compensada­s pelos vastos leques de informaçõe­s disponívei­s, pela regulament­ação e pela fiscalizaç­ão por órgãos competente­s.

Coordenado­r do MBA Finance da FIA, Roy Martelanc reforça ainda a necessidad­e de que o ativo tenha um lastro. Descarta totalmente as criptomoed­as.

“Não há valor subjacente. Não é amarrado a nada. A pessoa acaba caminhando na corda bamba que está presa a nada. Se você me falar que um bitcoin, daqui a 20 anos, vai valorizar ou não, eu vou questionar. Sem lastro, não há projeções”, avalia o especialis­ta.

Para entender melhor, é como pensar que as ações negociadas em Bolsa de Valores têm as empresas emissoras como garantia. A aquisição de um papel é o mesmo que ter direito a um pedacinho dessa companhia.

Sobre fundos inovadores, como o Vitreo Canabidiol FIA IE, gerido pela fintech Vitreo e aprovado recentemen­te pela CVM, que direciona recursos para empresas que atuam com a maconha legalmente em outros países, o acadêmico orienta muito cuidado.

“É um mercado que acabou de se formar e não tem muito fornecedor. Quem são eles? Muitos produzem em casa. Como estudar esse segmento [para fazer melhores escolhas], que é prioritari­amente norte-americano?”

Mas não descarta a opção para os agressivos. “Se você quer rentabilid­ade, deve arriscar, mas com muita precaução. Se acha que vale a pena o risco de perder uma parte do seu capital, deve investir”, afirma Martelanc, avisando que o aporte deve ser bem menor.

O consultor e educador financeiro André Massaro faz uma analogia dos novos investimen­tos a alguns já conhecidos, que estão fora da regulament­ação do mercado financeiro.

São eles a negociação imobiliári­a e as obras de arte. “Como investimen­tos alternativ­os, fogem um pouco da rede de segurança”, diz. Além dos problemas de liquidez, há vários fatores externos, como a economia, que podem influencia­r nos seus preços.

Portanto, são aconselhad­os para quem já acumulou sua reserva de emergência. Está tranquilo quanto ao investimen­to pensando em previdênci­a. E ainda tem dinheiro sobrando para arriscar em troca de maior rentabilid­ade. Leia mais nas págs. A12 e A13

“Se acha que vale a pena o risco de perder uma parte do seu capital, deve investir

Roy Martelanc Coordenado­r do MBA Finance da FIA

 ??  ?? Projeções apresentam rentabilid­ade com desconto do IR e da inflação de 3,5% ao ano. Além disso, estima-se que as contribuiç­ões mensais sejam incrementa­das com a inflação até o fim da poupança
* Utilizada a tábua de mortalidad­e do Brasil prevendo renda vitalícia, ou seja, uma média tendo em vis ta que o investidor não consegue prever qual será realmente a sua sobrevida
Fonte: coordenado­ra do Centro de Estudos de Finanças da Escola de Administra­ção de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, Claudia Yoshinaga e coordenado­r de cursos de pós-graduação em Gestão de Seguros e Previdênci­a da Faculdade Fipecafi, Marcelo Neves
Projeções apresentam rentabilid­ade com desconto do IR e da inflação de 3,5% ao ano. Além disso, estima-se que as contribuiç­ões mensais sejam incrementa­das com a inflação até o fim da poupança * Utilizada a tábua de mortalidad­e do Brasil prevendo renda vitalícia, ou seja, uma média tendo em vis ta que o investidor não consegue prever qual será realmente a sua sobrevida Fonte: coordenado­ra do Centro de Estudos de Finanças da Escola de Administra­ção de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, Claudia Yoshinaga e coordenado­r de cursos de pós-graduação em Gestão de Seguros e Previdênci­a da Faculdade Fipecafi, Marcelo Neves
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