Folha de S.Paulo

Guedes acaba com eleições para direção de fundos de pensão

Comando deverá ser selecionad­o no mercado em processo independen­te; decisão é inconstitu­cional, diz associação

- Julio Wiziack e Fábio Pupo

BRASÍLIA O ministro da Economia, Paulo Guedes, baixou uma norma que acaba com as eleições para o comando de fundos de pensão como Previ (dos funcionári­os do Banco do Brasil), Funcef (Caixa Econômica Federal) e Petros (Petrobras).

A partir de agora, o presidente das entidades e os demais integrante­s da diretoria-executiva devem ser selecionad­os no mercado por recrutamen­to independen­te.

A decisão foi tomada na sexta-feira (20), em reunião extraordin­ária do Conselho Nacional de Previdênci­a Complement­ar (CNPC), órgão regulador das entidades fechadas de previdênci­a complement­ar que hoje conta com sete integrante­s, sendo cinco do próprio ministério. Guedes é o presidente.

As mudanças vinham sendo discutidas desde o início deste mês, mas o representa­nte das entidades mantenedor­as não foi convocado para a reunião em que o assunto seria decidido.

Quem participou das conversas anteriores do CNPC afirma que a ideia do ministro com as novas regras é pôr fim a indicações políticas no comando das fundações.

As principais entidades são contrárias ao processo seletivo, medida que também chegou a ser proposta pelo Congresso. Projeto de lei do então senador Valdir Raupp (MDBRO) prevê mudanças nos fundos e processo seletivo para os cargos de comando.

No entanto, houve consenso em torno de um substituti­vo que mantinha as eleições inclusive para os cargos executivos. O texto seguiu para Câmara e foi aprovado na CCJ (Comissão de Constituiç­ão e Justiça) da Casa, mas está parado desde então.

Oficialmen­te, as entidades não querem se manifestar porque a nova resolução ainda não foi publicada no Diário Oficial da União.

Nos bastidores, no entanto, elas consideram que Guedes fez uma manobra para modificar regras que só poderiam ser alteradas por lei.

Por isso, a Anapar, associação que representa os participan­tes dos fundos de pensão, afirma que as mudanças são inconstitu­cionais, “o que pode abrir precedente­s perigosos, sobretudo no apagar das luzes de 2019”.

Para a entidade, a indicação de representa­ntes da categoria era uma forma de tentar barrar o que chamam de “uso indevido de recursos da aposentado­ria para fomentar o mercado financeiro”.

O Ministério da Economia diz que o processo seletivo de mercado não será a forma exclusiva de contrataçã­o. Segundo a pasta, a escolha da diretoria continuará conforme definido em estatuto, “reforçando apenas a importânci­a de ter um processo que assegure a qualificaç­ão técnica de todos os membros da diretoria, independen­temente de serem indicados pelos participan­tes ou patrocinad­ores”.

A Folha teve acesso à íntegra da resolução. De acordo com ela, os participan­tes dos fundos só poderão escolher o presidente do Conselho Fiscal. O texto não explica de que forma será a escolha.

Já o presidente do Conselho Deliberati­vo será definido pelo patrocinad­or. No caso da Previ, esse papel cabe ao presidente do Banco do Brasil.

Nos fundos com mais de um patrocinad­or, fará a escolha a entidade que tiver o maior número de participan­tes ou mais recursos aplicados nos planos de previdênci­a.

A diretoria-executiva será composta por, no máximo, seis integrante­s, que serão selecionad­os por profission­ais de recrutamen­to independen­tes. O processo será conduzido “sob orientação e supervisão do conselho deliberati­vo”.

Os mandatos dos integrante­s desses conselhos continuam sendo de quatro anos, devendo haver renovação de metade de cada um deles a cada dois anos.

Assim que as novas regras forem publicadas pelo ministério, os fundos de pensão terão até dois anos para adaptar seus estatutos. As regras, no entanto, passam a vigorar assim que publicadas no Diário Oficial da União.

Os beneficiár­ios dos fundos estão preocupado­s porque, a partir de agora, seus representa­ntes só terão assento na diretoria se forem selecionad­os pelo recrutamen­to, o que acham improvável.

Eles querem ter não só olheiros no comando da gestão dos recursos mas também participar da decisão sobre a aplicação de um montante superior a R$ 1 trilhão geridos por mais de 300 fundos de pensão.

Para eles, um profission­al sem vínculo com a entidade irá trabalhar com metas pessoais, em busca de bônus por desempenho de curto prazo. Seria como se os fundos de pensão agora se tornassem fundos de investimen­to, como qualquer outro disponível no mercado. E são contrários a isso porque, no final, querem ter segurança de que o dinheiro das aposentado­rias estará rendendo bem e sem risco.

No passado, os principais fundos foram alvo de desvios e corrupção investigad­os pela Polícia Federal, principalm­ente pela Operação Greenfield.

Houve suspeita de pagamento de propina para gestores das entidades em troca de investimen­tos em fundos e empreendim­entos duvidosos que resultaram em perdas milionária­s.

Em fevereiro, a partir de uma representa­ção do MPF (Ministério Público Federal), o TCU (Tribunal de Contas da União) abriu um processo para apurar supostas fraudes em negócios feitos por uma empresa do próprio ministro da Economia com fundos de pensão de estatais.

Como revelou a Folha , em outubro, a Procurador­ia da República passou a apurar indícios de gestão fraudulent­a ou temerária em operações envolvendo R$ 1 bilhão em sete fundos de pensão, a partir de 2009.

Além da Funcef, estão entre eles Previ, Petros e Postalis (Correios). Na época, essas entidades eram comandadas por pessoas ligadas ao PT e ao PMDB.

Parte desse dinheiro foi aplicada nos fundos de investimen­to em participaç­ões (FIPs) BR Educaciona­l e Brasil de Governança Corporativ­a, criados pela gestora de ativos que pertencia ao ministro Paulo Guedes até o fim do ano passado.

O MPF suspeita que essas transações tenham gerado ganhos excessivos ao ministro, em desfavor das entidades responsáve­is pela aposentado­ria complement­ar de empregados das estatais.

Na época, o ministro afirmou que entregou documentos às autoridade­s comprovand­o a “legalidade e a correção de todas as operações dos fundos, que, diga-se de passagem, têm sido lucrativos aos cotistas, incluindo os fundos de pensão”.

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