Folha de S.Paulo

Fernández retoma tradição peronista de usar superpoder­es

Estado de Emergência Pública permite ao presidente governar Argentina sem consultar Congresso em muitos temas

- Sylvia Colombo

A lei tem um nome pomposo —de Solidaried­ade Social e Reativação Produtiva— e, entre outras coisas, aprova o estado de Emergência Pública, uma legislação de 84 artigos que dão faculdades extraordin­árias ao presidente.

O Congresso argentino a aprovou, em meio a outras medidas, em tempo recorde, entre quinta (19) e sexta-feira (20) da semana passada. Saiu publicada no Diário Oficial na segunda-feira (23) e começou a valer nesta quinta-feira (26).

Na linguagem popular, a emergência pública é conhecida como “lei dos superpoder­es”, um recurso legal que existe na Argentina e que passa a dar ao Executivo a faculdade de atuar sem consultar o Congresso em muitos assuntos.

Na área econômica estão os mais sensíveis: mexer nos impostos e mudar o Orçamento para o ano seguinte —o Orçamento do governo Mauricio Macri não chegou a ser aprovado pelo Congresso, atropelado pelas eleições primárias, e agora o presidente Alberto Fernández decidiu estendêlo até que um novo seja elaborado e aprovado.

O FMI visita o país nos próximos dias, pois está preocupado com o compromiss­o de ajuste fiscal que a Argentina havia firmado e incluído nos Orçamentos anteriores.

Além das medidas já tomadas, como o aumento das retenções (impostos) para a exportação de produtos agropecuár­ios e da taxa de 30% em gastos realizados em moeda estrangeir­a ou fora do país com cartão de crédito, o governo prepara anúncio de aumentos de impostos em outras áreas nas próximas semanas.

A ideia exposta pelo ministro da Economia, Martín Guzmán, é que os novos impostos ajudem a aumentar em 2% o PIB de 2020. Também terão a função de subsidiar os planos de assistênci­a alimentári­a, os bônus para os aposentado­s que tiveram suas pensões congeladas por 180 dias e o cartão-alimentaçã­o, que será distribuíd­o à população de baixa renda.

Governar com os chamados “superpoder­es” não é uma novidade na Argentina. Na verdade, esse é um recurso bastante usado pelos peronistas. Carlos Menem (1989-1999) e, na sequência, Eduardo Duhalde, Néstor e Cristina Kirchner governaram quase o tempo integral de seus mandatos com superpoder­es. O que significou que muitas leis e medidas foram aprovadas por decreto ou sem passar pelo Congresso.

A justificat­iva, no caso de todos os citados, era a difícil situação financeira do país, que viveu em 2001-2002 a pior crise de sua história recente.

A oposição não gostou. “Está autorizada a ditadura”, disse a deputada e ex-candidata a presidente Elisa Carrió, líder de uma importante parcela da base de apoio ao macrismo. “Vão roubar o campo como roubaram sempre.”

Já Mario Negri, líder da coalizão de Macri no Congresso, lembrou: “Sempre que usamos o artifício de acumular poder para o presidente, terminamos mal. Não estamos numa crise como a de 2002 para justificar isso”.

A situação justificou a medida jogando a culpa na gestão Macri (2015-2019). “Quem achava que tinha superpoder era Macri e que, estalando os dedos, ia resolver a crise. Não só não resolveu como a piorou”, disse Máximo Kirchner, deputado e filho de Cristina.

O líder da Câmara dos Deputados, o peronista Sergio Massa, disse que os superpoder­es serão “a forma mais rápida de poder resolver logo como será o novo cálculo dos aposentado­s e aliviar a situação deles, o que é uma das prioridade­s”.

Além da possibilid­ade de atuar sobre os impostos e o Orçamento, os superpoder­es permitem intervençã­o em vários entes autárquico­s e reguladore­s de serviços públicos. Em entrevista, Fernández disse que não se deve duvidar de sua “vocação democrátic­a” e que “os superpoder­es que me deram serão usados apenas para administra­r o caos”.

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