Folha de S.Paulo

Em documento, chefes de fiscalizaç­ão do Ibama alertam para risco de ‘apagão’

Orçamento enviado ao Congresso prevê corte de 31%; número de fiscais cai 55% em uma década

- Fabiano Maisonnave

manaus Com um orçamento um terço menor e número de fiscais em queda, servidores de carreira do Ibama advertem sobre o risco de o órgão ambiental federal sofrer um “apagão” no ano que vem. Eles criticam o estabeleci­mento de metas impraticáv­eis impostos pela direção e a nomeação de gestores com pouca experiênci­a na área ambiental.

O principal alerta foi dado na semana passada por meio de um requerimen­to assinado por 22 dos 26 chefes estaduais de fiscalizaç­ão e obtido pela Folha. Dirigido à coordenado­ria geral de Fiscalizaç­ão Ambiental, o documento propõe 12 medidas, “sob pena de interferir de forma direta e até mesmo inviabiliz­ar a execução das ações de fiscalizaç­ão ambiental previstas no Plano Nacional Anual de Proteção Anual (Pnapa) 2020”.

Prestes a ser publicado via portaria, o Pnapa é aprovado pela presidênci­a do Ibama e estabelece o número de operações a serem feitas ao longo do ano, incluindo o período, quantidade de fiscais e custo. O combate ao desmatamen­to na Amazônia faz parte desse planejamen­to.

Para o Pnapa 2020, a previsão é de que haja um número de operações parecido ao estabeleci­do para este ano, 1.259. As condições para a execução, porém, serão mais adversas.

No projeto de lei do Orçamento enviado ao Congresso, o corte para 2020 foi de 31%, ficando em R$ 256 milhões. O Orçamento foi aprovado na semana passada, mas a versão final ainda não está publicada.

Para a fiscalizaç­ão, estão previstos R$ 76,8 milhões em 2020, um corte de 25% em relação a este ano. Uma fonte próxima do assunto ouvida pela reportagem alerta que, com esse teto, não haverá espaço para a captação de recursos do Fundo Amazônia, formado por doações, principalm­ente da Noruega.

Em abril de 2018, o Ibama obteve R$ 140 milhões do fundo, para serem usados por 36 meses. Até agora, foram usados apenas R$ 57 milhões (41%). Como se trata de recurso financeiro, o dinheiro do fundo precisa se adequar ao teto, mesmo se tratando de doação a fundo perdido.

Outra preocupaçã­o é a falta de pessoal para o campo. O Ibama conta com cerca de 720 fiscais para todo o país, contra 1.600 em 2009 —redução de 55% ao longo de dez anos.

Entre as medidas pedidas pelos chefes de fiscalizaç­ão estão a realização urgente de

concurso para fiscais e para outros cargos técnico e a liberação sem atrasos de recursos orçamentár­ios para a execução das operações.

Outra demanda é a nomeação exclusiva de servidores de carreira para cargos de gestão. Quase todos os superinten­dentes estaduais escolhidos pelo governo Bolsonaro são de fora do Ibama. Além disso, o diretor de fiscalizaç­ão é um major da PM de São Paulo, Olivaldi Azevedo.

O requerimen­to pede também o fim da mordaça imposto pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que proibiu o contato direto dos servidores do Ibama com a imprensa.

“O emprego de estratégia­s de comunicaçã­o de forma a ampliar a percepção da sociedade quanto à atuação da fiscalizaç­ão ambiental visa promover maior dissuasão dos ilícitos ambientais”, afirma o documento.

Os quatro chefes da fiscalizaç­ão que não assinaram são do Amazonas, do Rio de Janeiro, do Espírito Santo e de Santa Catarina. O nome formal da função é chefe da Ditec (Divisão Técnico-Ambiental).

O requerimen­to aponta uma dissonânci­a entre o Pnapa e as metas globais e intermediá­rias anuais do Ibama. Ambas foram publicadas em novembro —com seis meses de atraso, já que se referem ao período de 1º de junho a maio de 2020.

“Das cinco metas globais definidas na portaria do Ministério do Meio Ambiente, três são atividades-meio como a digitaliza­ção de processos que, em sua maioria, independem dos servidores da carreira e são atividades executadas por terceiriza­dos”, afirma Elisabeth Uema, secretária-geral da Associação Nacional dos Servidores Ambientais (Ascema).

Segundo Uema, outra preocupaçã­o dos servidores é com a meta global de realizar ações ostensivas contra desmatamen­to na Amazônia em 80% “do número de alertas mais crítico”. “A portaria utiliza o termo ‘alertas mais críticos registrado­s’ sem definir o que seriam esses alertas e quais os parâmetros a serem utilizados para categorizá-los”, afirma.

Curiosamen­te, nenhuma das cinco metas globais tem temas do meio ambiente urbano. No início da gestão, Salles afirmou que a prioridade na pasta seria temas como saneamento básico, gestão de resíduos sólidos e qualidade do ar.

Com relação às metas intermediá­rias, que orientam o trabalho setorial das equipes, servidores apontam a ausência de temas tradiciona­is, como a fiscalizaç­ão de pesca marítima e dos demais biomas, como o cerrado, combate ao tráfico de animais e o julgamento de multas.

Ueda afirma que há o temor de que as metas globais e intermediá­rias provoquem perdas salariais, já que cerca de 40% da remuneraçã­o vem de gratificaç­ão por cumpriment­o das metas.

Uma das apreensões é de o cálculo dessas gratificaç­ões seja feito de forma retroativa, ou seja, que a avaliação das metas leve em conta os cinco meses anteriores à sua divulgação.

No requerimen­to dos chefes de fiscalizaç­ão, a recomendaç­ão é para a revisão tanto das metas intermediá­rias quanto globais. “Caso contrário, fazse necessário rever as ações propostas no Pnapa que não estejam vinculadas ao cumpriment­o da meta estabeleci­da, consideran­do que a mesma impacta diretament­e no salário dos servidores.”

Em dois emails diferentes, a reportagem da Folha solicitou esclarecim­entos sobre o estabeleci­mento de metas e o Pnapa, mas só obteve resposta sobre a segunda demanda.

Via assessoria de imprensa, o Ibama informou que as metas poderão ser revisadas e que a demora em sua publicação “ocorreu em razão da necessidad­e de adequação das metas à nova metodologi­a do governo federal, mais precisamen­te do Ministério da Economia.”

O órgão ambiental assegurou que, para o cálculo da gratificaç­ão, “as metas não são retroativa­s, e sim proporcion­ais ao período restante. A demora em publicar a metas não prejudicar­á o servidor.”

Sobre a definição de “alertas mais críticos”, o Ibama afirma que “algoritmos de computação desenvolvi­dos a partir de critérios previament­e estabeleci­dos pelo Ibama definirão alertas de desmatamen­to prioritári­os para atendiment­o”.

Contradize­ndo o que afirmam seus servidores, o Ibama afirma que a digitaliza­ção de processos não é feita por terceiros e tem como meta melhorar o tempo de resposta para as demandas via Lei de Acesso a Informação (LAI).

Finalmente, sobre a política de comunicaçã­o, o órgão ambiental federal diz que “entende que é importante apresentar à sociedade o trabalho realizado pelo Instituto. Não se trata de rever qualquer tipo de estratégia de comunicaçã­o.”

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Rodrigo Vargas - 4.dez.17/Folhapress Agentes do Ibama fazem análise de árvores cortadas em Colniza (MT) para depois averiguar a origem de toras em serrarias
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