Novos discos mostram que é poderoso escutar mulheres cantando mulheres
Ana Costa, Zélia Duncan e Marina Iris lançam projetos dedicados inteiramente à condição feminina
Eu Sou Mulher, Eu Sou Feliz **** * Ana Costa e Zélia Duncan. Gravadora: Biscoito Fino. R$ 36. Disponível também nas plataformas de streaming Voz Bandeira ***** Marina Iris. Gravadora: Joia Moderna. Disponível nas plataformas de streaming
Discussões sobre igualdade de direitos ganharam as redes, ruas, mesas debar, salas de jantar. Não seria diferente coma música. Dois álbuns recentes são inteiramente dedicados à condição feminina. Neles, mulheres assumem o protagonismo para além dos vocais.
“Eu Sou Feliz, Eu Sou Mulher” é projeto de Ana Costa e Zélia Duncan —as 16 faixas, inéditas, foram compostas pelas duas, que assinam a direção artística. A abertura, com as poetas Letícia Brito e Gênesis, do Slam das Minas, é didática. “Cada mulher sabe ador de suas vivências, toda mulher é potência.”
É diverso o time de cantoras —de Alcione a Fernanda Takai, de Simone a Teresa Cristina— e também o de instrumentistas. Há homens, mas o protagonismo é delas.
O samba predomina, mas há espaço para toada (“Eu Sou o Luar”), samba-canção jazzístico (“Brilham ao Escurecer”) e flerte com o flamenco (“Saias e Cor”). “Voltei pra Mim” remete à vanguarda paulista. Bia Paes Leme, que assina direção musical, produção e (belos) arranjos (exceto “Voltei pra Mim”), deu unidade ao álbum.
Ouvir mulheres cantando mulheres é poderoso e traz nuances ao discurso. Por vezes, as músicas são um tanto literais: o disco se sai melhor quando há mais lirismo. Mas o conjunto é bem-sucedido.
Já Marina Iris soltou “Voz Bandeira”, seu terceiro álbum, com produção musical e (ótimos) arranjos de Ana Costa. A capa de Leandro Vieira, carnavalesco da Mangueira, faz referência a um estêncil em memória de Marielle Franco.
A artista tece a trama do disco com questões da mulher negra. Celebrando as mais velhas, convidou as escritoras Conceição Evaristo, Elisa Lucinda e Ana Maria Gonçalves a participarem em vinhetas .
São 11 faixas e o samba dá o tom. Mas Marina também vai buscar raízes em Angola (no semba “Mana que Emana”) e Cabo Verde (na coladeira “Travessias”, que fala da diáspora africana). É negro o Atlântico
que banha “Voz Bandeira”.
À exceção de “Mana que Emana”, as canções têm ao menos uma mulher como autora. “Onze Fitas”, gravada por Elis Regina em 1980, se refere à ditadura, mas soa atual, remetendo aos corpos negros que tombam no país. “Pra Matar Preconceito” fala da objetificação da mulher negra.
O álbum tem extenso time de artistas negras. Fabiana Cozza canta em “Velha Senhora” (única assinada por Marina Íris, com DiCaprio) e Marcelle
Motta, em “Mana que Emana”. Em seu belo manifesto cantado, Marina Iris ecoa o poema da peruana Victoria Santa Cruz: “Negra Sou.”