Dueto para voz e piano recupera obra de Elomar
Márcio José Silveira Lima
Professor de filosofia da Universidade Federal do Sul da Bahia, é editor dos Cadernos Nietzsche
Em artigo no jornal A Tarde em 2009, Caetano Veloso, que compôs “Beleza Pura” inspirado nos versos da canção “O Violeiro”, de Elomar, confessa ter tido vontade de cantar em show a canção que lhe inspirou, mas não foi adiante porque não se conformava em não atingir o grave de Elomar.
Esse gesto talvez explique o silêncio por parte de nossos músicos mais consagrados em torno da obra de Elomar.
Num país em que a música popular é um dos pináculos de sua expressão artística, o não enfrentamento à obra de um de seus maiores compositores é incompreensível. Contudo, no interior do que poderíamos chamar de cânone em torno da obra elomariana, o silêncio vem sendo rompido.
Acaba de ser lançado o álbum “Estradar”, um dueto para voz e piano com Verlucia Nogueira e Tiago Fusco.
Com 13 canções, a obra de Elomar é cantada acompanhada por um piano, do início ao fim. Deve-se louvar ocuidado com o desafio de gravá-lo.
Nesse caso, aquele cuidado de Caetano de não traspor a tonalidade do registro grave para o agudo é aqui enfrentado, resultando em arranjos límpidos e claros. Primeiro pelo registro da própria voz feminina. Além disso, é possível que uma transposição “fiel” das harmonias originais tornasse as canções menos solares, com o piano ocupando um espaço da voz para além do desejado.
Ao comparar o piano de Tiago Fusco com o de Arthur Moreira Lima, com quem Elomar gravou nos anos 1980, ou ao cotejar seu arranjo com a partitura original para violão, o resultado é o que poderíamos chamar de arranjo minimalista, porque a progressão harmônica prescinde aqui e acolá de acordes e de notas.
Quanto ao repertório, o “Estradar” traz canções mais conhecidas do público de Elomar, embora deixe de fora as mais conhecidas do grande público. “Bespa” abre o disco no melhor espírito do compositor, porque estabelece aquele diálogo de perguntas e respostas, aqui da voz com o piano.
Já se ouviram traços impressionistas na obra de Elomar, não por uma espécie de influência laboriosa, mas por esses mistérios culturais de formatos musicais que nunca morrem e demonstram o princípio dos indiscerníveis.
Ponto alto do disco, “História de Vaqueiros” começa com uma introdução debussyana, que depois é integrada ao espírito da partitura original. Não resta dúvida de que as canções escolhidas guardam uma unidade trágica, recorte feliz da unidade épica de onde saltam.
Estradar
Verlúcia Nogueira e Tiago Fusco. Gravadora: Selo Sesc. Disponível nas plataformas de streaming