Folha de S.Paulo

Convicções de Paulo Guedes são testadas no governo

Em seu primeiro ano à frente da Economia, ministro teve de adiar parte da agenda de reformas que defende

- Bernardo Caram e Fábio Pupo

Fiador de Jair Bolsonaro junto ao mercado desde a campanha eleitoral, o ministro Paulo Guedes (Economia) teve suas convicções liberais postas à prova pela realidade da política.

Pressionad­o por outras áreas do governo e pelo presidente, ele recuou de planos neste ano.

Precisou, desta forma, frear a agenda reformista que previa fazer avançar no Congresso após a aprovação da mudança na Previdênci­a.

O presidente Bolsonaro é um homem de enorme intuição política. Ele disse: ‘Você acaba de fazer a reforma da Previdênci­a e você ainda quer desindexar o dinheiro dos velhinhos? Que historia é essa?’ É verdade, está certo, é muito cedo

“Avisaram que não tem como desindexar tudo. A esquerda vai atacar. Vão vir para cima. Nesse caso, eu tenho de ceder. Mantivemos indexação do salário mínimo e dos benefícios previdenci­ários a pedido do presidente Bolsonaro

brasília Levado do setor privado ao comando de um superminis­tério da Economia —criado por ele mesmo—, o ministro Paulo Guedes teve suas convicções liberais testadas pela ala política do governo Jair Bolsonaro.

Em seu primeiro ano de gestão, o “Chicago oldie” —como chama integrante­s de seu time que, como ele, passaram pela liberal Universida­de de Chicago— precisou frear parte de seus planos anunciados em discursos desde a posse.

O ministro costuma destacar a liberdade que recebeu de Bolsonaro para conduzir a economia do país. No entanto, repetiram-se episódios de recuos em propostas planejadas pela equipe econômica, seja por discordânc­ia na área política do governo ou por determinaç­ão do próprio presidente.

Guedes considera a aprovação da reforma da Previdênci­a o grande trunfo de seu primeiro ano de gestão. Embora tenha sido alterada pelo Congresso e não inclua o modelo de capitaliza­ção que ele defende, o texto aprovado terá um impacto fiscal considerad­o alto —cerca de R$ 800 bilhões em dez anos, ante R$ 1,2 trilhão da versão apresentad­a inicialmen­te pelo governo.

No restante da agenda prevista, o ministro afirma ter ouvido a intuição política de Bolsonaro. Na prática, parte dos pilares das reformas estruturai­s que ele tanto defende acabou colocado em banho-maria.

Considerad­a pelo ministro a espinha dorsal de sua reforma tributária, uma ampla redução dos encargos trabalhist­as tem chance de não sair do papel. Instrument­o defendido por Guedes para compensar essa futura perda de arrecadaçã­o, a criação de um imposto sobre pagamentos aos moldes da extinta CPMF foi alvo de críticas dentro do governo e acabou banida das discussões pelo próprio Bolsonaro.

A divergênci­a em torno do novo tributo foi justificat­iva também para a demissão do então secretário da Receita Federal, Marcos Cintra.

Sem outras opções para ampliar a base de tributação do país, Guedes tenta agora emplacar um imposto semelhante, mas que incidiria apenas sobre as transações digitais, no celular e na internet.

A ideia teve reação negativa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que afirmou que a proposta não será aprovada pelos deputados. O próprio presidente Bolsonaro já considera o assunto encerrado.

No campo tributário, pesa ainda o fato de o envio da reforma tributária do Executivo ao Congresso, inicialmen­te estimado para 2019, ter sido postergado para 2020 após os parlamenta­res terem atropelado a discussão do ministério com propostas próprias nas duas Casas do Legislativ­o.

Também foi adiada para o ano que vem a divulgação da proposta de reforma administra­tiva. Por ordem de Bolsonaro, a equipe econômica segurou a apresentaç­ão do texto, que já estava pronto para ser enviado. Ele argumentou que seria necessário aguardar o timing político correto.

A proposta tem o objetivo de controlar a despesa com pessoal —segundo maior gasto primário do governo— com uma reestrutur­ação de salários e carreiras de servidores públicos, além do fim da estabilida­de para futuros servidores na maior parte das carreiras do funcionali­smo.

Guedes também reconheceu ter abrandado, a pedido de Bolsonaro, uma de suas propostas prioritári­as, o pacto federativo.

No discurso feito ao assumir o cargo, em janeiro, e em outras falas ao longo do ano, o ministro afirmou ter o objetivo de desvincula­r, desobrigar e desindexar todo o Orçamento.

A mudança significar­ia dar ao Congresso liberdade total sobre a definição da aplicação dos recursos públicos, sem que houvesse, por exemplo, limite mínimo para gastos com saúde e educação. A retirada total das amarras ainda desobrigar­ia o governo a reajustar aposentado­rias e benefícios assistenci­ais pela correção da inflação ou do salário mínimo.

As propostas do pacto federativo foram apresentad­as em novembro, mas com regras mais brandas, mantendo gastos obrigatóri­os e vinculaçõe­s de benefícios. Guedes também queria originalme­nte retirar o piso constituci­onal de recursos para saúde e educação, mas acabou ouvindo sugestões e fundindo as duas contas em uma só (ou seja, governador­es e prefeitos podem movimentar recursos entre as duas áreas conforme a demanda local).

“Me avisaram que não tem como desindexar tudo. A esquerda vai atacar. Vão vir para cima. Nesse caso, eu tenho de ceder”, afirmou Guedes em entrevista à Folha publicada em novembro.

A equipe econômica também estudou a retirada do reajuste do salário mínimo da Constituiç­ão, mas desistiu. “Nós íamos desindexar tudo. Mantivemos indexação do salário mínimo e dos benefícios previdenci­ários a pedido do presidente Bolsonaro”, afirmou o ministro na época.

“O presidente Bolsonaro é um homem de enorme intuição política. Ele disse: ‘Você acaba de fazer a reforma da Previdênci­a e você ainda quer desindexar o dinheiro dos velhinhos? Que historia é essa?’ É verdade, está certo, é muito cedo”, completou.

Defensor do estado mínimo, Guedes já afirmou que queria a privatizaç­ão de todas as estatais. Em discursos, chegou a dizer que essas vendas poderiam render entre R$ 800 bilhões e R$ 1,2 trilhão à União.

A venda de empresas públicas, porém, não decolou no primeiro ano de sua gestão. Nenhuma das companhias de maior porte foi vendida. A saída do governo do controle da Eletrobras, planejada antes mesmo da chegada de Bolsonaro ao poder, não andou no Congresso.

Por outro lado, o governo conseguiu que estatais ampliassem a venda de ativos. Somente Petrobras, Caixa e Banco do Brasil venderam R$ 91,3 bilhões em ativos entre janeiro e novembro.

O ritmo mais lento do que o planejado por Guedes na implementa­ção das reformas não impediu o movimento de reação da economia. No encerramen­to do ano, a equipe do ministro vem comemorand­o a melhora nos indicadore­s.

Em um resultado que surpreende­u analistas, o PIB (Produto Interno Bruto) do terceiro trimestre superou expectativ­as e apresentou alta de 0,6% em relação aos três meses anteriores. A estimativa do Banco Central para o cresciment­o da atividade em 2020 foi revisada de 1,8% para 2,2%.

No emprego, o número de vagas com carteira assinada cresceu em 948 mil postos até o mês passado. Em novembro, o saldo foi de 99 mil vagas, o dobro do previsto pelo mercado.

No mercado financeiro, o Ibovespa, principal índice da Bolsa brasileira, foi de 91 mil pontos em janeiro para aproximada­mente 115 mil em dezembro.

A equipe do titular da pasta acredita que a tendência é que os números sigam melhorando, assim como o desempenho dentro do Ministério da Economia. O início da gestão foi conturbado pela fusão dos ministério­s da Fazenda, do Planejamen­to, do Desenvolvi­mento e do Trabalho em uma só pasta.

Auxiliares do ministro têm a avaliação de que a junção das pastas trouxe coerência aos trabalhos, visto que no passado os posicionam­entos diferentes da área econômica pela Esplanada geravam propostas antagônica­s.

Agora, apesar de discussões internas e da disputa de secretário­s pelo tempo do ministro, é relatada uma curva de aprendizad­o nos procedimen­tos e, por isso, há expectativ­a de atividades mais fluidas no ano que vem.

“O dólar está alto. Qual o problema? Zero. Nem inflação ele [dólar alto] está causando. Vamos exportar um pouco mais e importar um pouco menos. É bom se acostumar com juros mais baixos por um bom tempo e com o câmbio mais alto por um bom tempo

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Adriano Machado - 2.abr.19/Reuters O ministro da Economia, Paulo Guedes, que fecha o primeiro ano adiando a defesa de algumas de suas bandeiras
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