Folha de S.Paulo

Recuperaçã­o de empresas cria mercado restrito

Felsberg, Waisberg e Galdino se tornaram referência nas rentáveis operações de insolvênci­a no Brasil

- Ivan Martínez-Vargas

Um grupo seleto de advogados domina o nicho da recuperaçã­o judicial de empresas, que vive boom no país após a Lava Jato.

Apesar de 46% dos casos acabarem em falência, o mercado segue em alta. Alguns desses profission­ais descrevera­m seus métodos à Folha.

são paulo O chamado mercado de insolvênci­a viveu um boom no Brasil com a crise econômica e a Operação Lava Jato. Aumentou o número de companhias de grande porte em dificuldad­es financeira­s que, sem capacidade de honrar seus compromiss­os, recorreram à recuperaçã­o judicial.

Apesar disso, o ramo jurídico que lida com a recuperaçã­o, especialme­nte na defesa dos devedores, ainda é dominado por poucos.

Os advogados que atendem os clientes mais famosos —e que cobram honorários na casa dos milhões— geralmente são os mesmos, e conhecidos de todo o setor.

Após consultar advogados e acadêmicos, a reportagem procurou alguns dos mais famosos entre eles. Thomas Felsberg, Ivo Waisberg e Flavio Galdino atuaram (ou atuam) na defesa de credores, devedores ou compradore­s de empresas em casos de recuperaçõ­es judiciais ou extrajudic­iais, como Parmalat, Varig, Oi, OGX, OSX, Eneva, Daslu, Vasp, OAS, Saraiva, Avianca, Máquina de Vendas e Casa&Video.

A Folha procurou ainda Eduardo Munhoz, responsáve­l, por exemplo, pela recuperaçã­o judicial da Odebrecht, o maior caso da história do país. O advogado, porém, não quis dar entrevista.

Há uma razão para o sucesso de poucos nessa área. Praticamen­te metade das grandes empresas que entram em recuperaçã­o judicial no país (46%) não consegue se reerguer e vai à falência. Apesar disso, quase todas as companhias que pedem recuperaçã­o à Justiça conseguem aprovar seus planos com os credores.

São os detentores dos créditos que votam nas assembleia­s pela aprovação (ou não) do plano. Se há a recusa, a empresa pode ir a falência.

Como o processo de falência é demorado (raramente leva menos de dez anos) e os credores temem não recuperar nada, quem pede proteção à falência na Justiça geralmente aprova seu plano, mesmo quando ele propõe descontos nas dívidas de até 90%. Negociar, equilibran­do todas essas variáveis, é um exercício da arte do direito que exige destreza, avalia quem atua no setor.

Considerad­o hoje um dos papas da recuperaçã­o judicial, Thomas Felsberg, 76, está na seleta lista dos que entendem esse equilíbrio. De fala pausada e cortês, colegas afirmam que ele tem um estilo conciliado­r nas negociaçõe­s com credores para a aprovação de planos.

As assembleia­s e negociaçõe­s geralmente se estendem por horas e, muitas vezes, são ambientes em que representa­ntes de credores e devedor trocam acusações, gritos e farpas. Felsberg, contudo, não costuma se exaltar.

“Tento ser mais moderado.

Se o cliente quer ver sangue, não sou o mais indicado, geralmente sugiro outro escritório. Mas o fato de procurar uma solução consensual não quer dizer que vou abrir mão dos direitos dos clientes”, diz.

Embora tenha participad­o, durante os governos FHC e Lula, dos comitês que elaboraram a atual Lei de Falências, em vigor desde 2005, ele diz que esse foi seu primeiro envolvimen­to com o setor.

Advogado desde os anos 1960, fundou seu escritório em 1970. No início da carreira, especializ­ou-se em leasing, em particular, de aeronaves.

Nos anos 1990, decidiu ampliar o escopo e passou a atuar também em áreas como a estruturaç­ão de projetos de infraestru­tura em conjunto com entidades como o BID (Banco Interameri­cano de Desenvolvi­mento) e a americana Opic (instituiçã­o finanbio ceira de desenvolvi­mento do governo americano).

“Pela minha atuação nessas instituiçõ­es, Gordon Johnson, do Banco Mundial, chegou até mim emechamo upara participar de uma consultori­a ao Banco Central para reformar alei. Ele queria alguém que entendesse de crédito ”, diz.

A primeira recuperaçã­o judicial em que Felsberg atuou foi ada Parma lat,ped ida em junho de 2005, mesmo mês em que alei que ele ajudou a elaborar entrou em vigor.

“Era a primeira experiênci­a de todo o mundo e angariei desafetos. Depois, fomos nos encontrand­o em outros casos, e as relações passaram a ser cordiais”, afirma Felsberg.

“Sou amigo do [Eduardo] Munhoz, por exemplo. Discordo totalmente de como ele conduza recuperaçã­o da Odebrecht e represento a Caixa, que é um dos credores. Na Rodovias do Tietê, ele atende a concession­ária, e eu, os debenturis­tas. É normal divergir .”

Atualmente, ele defende a necessidad­e de uma nova lei para o setor que viabilize uma falência mais rápida.

Outra referência na área é Ivo Waisberg, 45. Ele sabe o que é falência desde a infância. Seu pai, empresário, teve uma empresa de ônibus que quebrou quando Ivo tinha dez anos. “Até hoje tem gente que brinca que isso me influencio­u. Não é verdade, o que nós somos depende do acaso.”

Professor de direito da PUCSP, ele afirma que desde o início da faculdade quis se dedicar mais à vida acadêmica que à advocacia.

“Minha ide iaera ganhara vida dando aula. E fiz mais isso no início da carreira. Emendei agraduação no mestrado, depois fiz um mestrado fora [na Universida­de de Nova York] e o doutorado.”

Foi avida acadêmica que o levou ao ramo de insolvênci­a.

“Eu dava aula na FMU e, em 2004, decidi explicara os aluno soque poderia ser anova Lei de Falências que estava em discussão. Na mesma época, a Varig apareceu no escritório Wald, onde eu trabalhava, pensando em pedir uma recuperaçã­o judicial. Eu atendi porque era quem havia estudado mais o tema ali. Não fizemos a recuperaçã­o da Varig, mas em seguida pegamos adaVasp .”

Entre os pares, ele é considerad­o implacável. “Prefiro o termo duro. A negociação tem que ter estratégia, tem que ter um norte. Um provérchin­ês diz que não tem vento favorável para quem não sabe onde vai”, diz.

Participa das negociaçõe­s ativamente, muitas vezes durante as madrugadas, e admite não ter “papas na língua para dar bronca”.

“Você pode gritar, encher o saco, mas as relações com os colegas são à parte daquilo. É importante saber em quem confiar porque você vai encontrar as pessoas em outros casos”, afirma.

Segundo ele, muitas vezes a negociação entre os representa­ntes de credores e devedores se resolve no café, e não no microfone da assembleia.

“É o melhor lugar para resolver as coisas, com calma.”

Waisberg é integrante de uma comissão de advogados que elaborou, em conjunto com mais de 20 entidades como a Fiesp, o substituti­vo ao projeto de uma nova Lei de Falências do deputado Hugo Leal (PSD-RJ).

Amigo de Waisberg, Flavio Galdino, 47, é outro grande nome no setor —e que também se equilibra entre academia e mercado.

Professor da Uerj, emendou graduação e mestrado visando a carreira acadêmica, como o colega. Além disso, a fama de agressivo nas negociaçõe­s entre credores e devedor também aproxima os dois.

Segundo Galdino, a reputação de negociador duro vem das falas contundent­es ao microfone nas assembleia­s.

“O advogado paulista não está acostumado com confusão e tumulto ao microfone. Eu não tenho problema nenhum em ir a uma assembleia com 400 engravatad­os e bater na mesa, pegar o microfone, gritar”, afirma.

Independen­temente das discussões, Galdino é bemhumorad­o e elogiado por seus pares no setor.

Seu primeiro caso no ramo foi representa­r arrendador­as de aviões da Varig. “Era o primeiro caso de recuperaçã­o judicial no Rio. Eu trabalhava com o Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, que foi meu professor, e ele me passou a tarefa.”

Seu segundo caso relevante foi a recuperaçã­o judicial da Casa&Video, em 2008, adquirida depois pelo advogado e investidor Fabio Carvalho, de quem Galdino diz ter se tornado amigo.

O caso é considerad­o um clássico de recuperaçã­o judicial bem-sucedida, já que a companhia foi vendida, saldou suas dívidas e voltou a dar lucro.

“Até então, eu era mais procurado por credores. Passei a ser muito procurado por devedor. É mais difícil trabalhar para eles, mas os honorários são melhores. Aí abri o meu escritório, especializ­ado em contencios­o e insolvênci­a.”

Além de Carvalho, entre seus clientes mais famosos estão Eike Batista e Fernando Cavendish, da Delta.

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Ivo Waisberg (Vasp, Grupo Libra, OAS, Saraiva e Avianca)
Fotos Karime Xavier/Folhapress De cima para baixo, Flavio Galdino (Casa&Video, Eneva, Delta, Galvão Engenharia e Constellat­ion), Thomas Felsberg (casos Parmalat, Oi, Daslu e Cultura) e Ivo Waisberg (Vasp, Grupo Libra, OAS, Saraiva e Avianca)
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