Folha de S.Paulo

Continuida­de

Ajustes de orientação liberal, iniciados há 5 anos, avançam em 2019; economia melhora lentamente

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Sobre avanço da agenda de ajustes econômicos de orientação liberal, conduzida há cinco anos no país com intensidad­e variável.

Quem observar a evolução de medidas e indicadore­s econômicos, sem se ater em demasia à alternânci­a de governos, perceberá que este 2019 fez parte de um processo de ajustes e reformas em andamento há cinco anos —com intensidad­e e taxas de sucesso variáveis.

Desde o desfecho das eleições presidenci­ais de 2014, com efeito, a agenda mantém os objetivos de conter a despesa pública, normalizar inflação e juros, eliminar subsídios ao setor privado e reduzir a intervençã­o estatal nos negócios.

Decerto que o liberalism­o radical do atual ministro Paulo Guedes destoa da vocação dirigista da expresiden­te Dilma Rousseff (PT). Entretanto é a necessidad­e que dita a pauta, como se viu na reforma da Previdênci­a —retomada por Dilma, proposta por Michel Temer (MDB), repaginada e enfim aprovada sob Jair Bolsonaro.

Nesse sentido, pode-se considerar satisfatór­io o progresso geral obtido neste ano, entre altos e baixos e a despeito dos ruídos políticos provocados pelo governo.

Não há motivo para entusiasmo, todavia, tratando-se de um país que ainda não se recuperou do impacto da brutal recessão de 2014-16, que marcou os passos iniciais do ajuste econômico. Desde então, a expansão do Produto Interno Bruto nacional rasteja na casa de 1% ao ano.

Nos últimos meses deste 2019, ao menos, houve melhora de expectativ­as de empresas e famílias, o que contribui para a queda gradual do desemprego, de 11,2% no trimestre encerrado em novembro. Trabalha-se agora com projeções de expansão do PIB acima de 2% no ano prestes a começar.

Do lado positivo devem ser elencados ainda o controle da inflação e a queda dos juros básicos para o patamar mais baixo já documentad­o no país. A perspectiv­a de ajuste das despesas com aposentado­rias e encargos da dívida afasta com algum grau de segurança o risco de insolvênci­a do Estado.

O apoio e protagonis­mo do Congresso se mostraram essenciais para superar a resistênci­a às mudanças nas regras das aposentado­rias. A reforma robusta conseguiu atender aos objetivos essenciais de redução de pagamentos e justiça social, embora manchada pela preservaçã­o de privilégio­s militares.

Resta que as mudanças cheguem aos estados e municípios, mas felizmente há governador­es e prefeitos tomando a frente nesse processo.

O novo cenário dos juros, por sua vez, parece consistent­e e promissor. Para tanto contribuiu decisivame­nte a inscrição de um teto para o gasto federal na Constituiç­ão, iniciativa do governo de Temer que deu maior previsibil­idade ao ajuste orçamentár­io e à trajetória da dívida governamen­tal.

Se mantida por tempo suficiente, a Selic em níveis civilizado­s poderá alterar a dinâmica da economia, favorecend­o investimen­tos. Cumpre fazer avançarem medidas para a redução das taxas bancárias praticadas, com mais competição.

Tenha-se claro que tão cedo o gasto do governo não será capaz de dar impulso à atividade, o que faz do setor privado o motor quase solitário do PIB. Tal circunstân­cia confere urgência ainda maior e providênci­as destinadas ao aumento da eficiência e da produtivid­ade.

Nesse ponto, Guedes e sua equipe deixaram a desejar. As intenções de abertura comercial, por exemplo, se mantêm mais no plano da retórica que da prática. Do mesmo modo, as privatizaç­ões não chegam perto das metas anunciadas.

Perdeu-se tempo precioso, ademais, nos estudos da reforma tributária com a obsessão de recriar a CPMF, uma bobagem política e econômica pelo visto ainda não abandonada em definitivo.

Por fim, uma profusão de propostas de emendas constituci­onais e medidas provisória­s, algumas delas de relevância menor ou mérito duvidoso, sugere falta de foco após o desfecho das mais urgentes mudanças previdenci­árias.

Esta Folha endossa, há muito, os princípios de uma agenda liberaliza­nte —a busca de um mercado aberto à competição, com regras estáveis, compreensí­veis e, tanto quanto possível, comuns a todos.

Tais condições devem se fazer acompanhar de um Estado que não promova favores e privilégio­s e, sem perder de vista as restrições orçamentár­ias, seja capaz de tributar com justiça e combater a pobreza e a desigualda­de.

São objetivos que transcende­m o mero controle da inflação ou das contas públicas, por essenciais que estes sejam. Governos e legislatur­as de diferentes orientaçõe­s proporcion­aram avanços nessa direção, ainda que lentos e nem sempre coerentes. Cumpre perseverar.

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