Folha de S.Paulo

Luís Roberto Barroso Combater fake news com decisão judicial é fantasia

Para ministro que presidirá o TSE na eleição, plataforma­s estão mudando de atitude em relação a esse tipo de problema, mas não se deve ‘criar ilusão’

- Leandro Colon, da Folha Felipe Amorim, do UOL

brasília O ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), afirma que decisões judiciais não serão suficiente­s para combater as fake news nas eleições municipais de 2020.

Hoje vice-presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Barroso estará no comando da corte durante as eleições para as prefeitura­s, marcadas para outubro.

Ele participou do programa de entrevista­s da Folha edo UOL, gravado em um estúdio das duas Redações em Brasília. O ministro disse ainda que o fundo eleitoral de dinheiro público de R$ 2 bilhões custará menos do que o potencial de corrupção do financiame­nto privado.

Também defendeu o modelo de coleta de assinatura­s digitais para formação de partido, mecanismo que o presidente Jair Bolsonaro pretende usar para criar o Aliança pelo Brasil no próximo ano.

Barroso fez um balanço do STF em 2019. Afirmou ter sido um retrocesso a decisão do plenário contra a prisão para condenados em segunda instância e disse que o tribunal deve julgar processos levando em conta os anseios da sociedade.

STF contra segunda instância

Como é público e notório, fui voto vencido. Mais do que isso, eu tinha sido um dos articulado­res, junto com o ministro Teori Zavascki, lá em 2016, para a mudança da jurisprudê­ncia, quando o Supremo diz: “pode executar a condenação criminal depois do segundo grau”.

Isso mudou o cenário da persecução penal, sobretudo no colarinho branco, que era uma criminalid­ade não alcançada pelo direito penal por razões ideológica­s e estruturai­s. Com risco real da punição, você produz a prevenção geral, de as pessoas não delinquire­m para não serem punidas, e o estímulo à delação premiada.

De modo que eu acho que a decisão [deste ano] foi infelizmen­te um retrocesso. Essa decisão fez que nós fugíssemos do padrão mundial de justiça criminal. Agora, participo de um órgão colegiado, preciso respeitar a posição da maioria, na vida temos que saber ganhar e perder.

“O papel do Supremo é estar atento porque a desconstru­ção democrátic­a não vem por golpes, mas pela retirada de tijolos que compõem pilares da democracia

STF no combate à corrupção

Também fui voto vencido na questão das alegações finais e competênci­a das Justiças Eleitorais [em casos criminais]. Decisões que lamento.

O Brasil vive um momento de transição. Há uma velha ordem sendo empurrada para a margem da história, em que era legítima a apropriaçã­o privada do Estado e o desvio do dinheiro público. As coisas erradas foram tão naturaliza­das no Brasil que as pessoas nem percebem. Há uma nova ordem querendo nascer, em que a sociedade deixou de aceitar o inaceitáve­l. Estamos nesse processo de transição.

Você precisa ter um pouco de paciência, a história tem seu próprio tempo. É preciso entender o STF dentro de um país que faz uma transição.

Os anseios da sociedade

Papel do Supremo é interpreta­r a Constituiç­ão. Só que você não interpreta num vácuo, mas num determinad­o momento e lugar. A Constituiç­ão deve ser interpreta­da de acordo com os interesses da sociedade. Isso é diferente de opinião pública, que é passional e se move com interesses do momento.

Uma vez filtrado o sentimento social pela Constituiç­ão, se passar, o Supremo fará muito bem de atendê-lo, como fazem todos os tribunais constituci­onais do mundo.

Conservado­rismo e pauta de costumes no STF

Há três fenômenos ocorrendo no mundo: uma onda conservado­ra, uma populista e uma autoritári­a. O problema é quando se juntam, e aí você tem precedente­s perigosos que levam a uma crise pelo mundo. Não acho que a democracia no Brasil esteja em crise e que o conservado­rismo tenha a ver com autoritari­smo.

O limite é a Constituiç­ão. A Constituiç­ão defende a liberdade de expressão, de informação, de ensinar e aprender. O Brasil vive certamente um momento conservado­r. As instituiçõ­es brasileira­s são sólidas, e o papel do Supremo é estar atento porque a desconstru­ção democrátic­a não vem por golpes, mas pela retirada de tijolos que compõem alguns dos pilares da democracia.

Combate às fake news nas eleições municipais

O TSE está tão preparado quanto qualquer instituiçã­o no mundo. A internet trouxe uma expectativ­a positiva de que poderia ser um grande espaço público do debate de ideias no mundo. E ainda tenho esperança que possa vir a ser. Mas neste momento se deixou se contaminar infelizmen­te por campanhas de desinforma­ção, tradiciona­lmente chamadas de fake news, campanhas de ódios. O mundo não estava preparado.

O que o TSE está fazendo? A ideia de que você possa combater fake news por decisão judicial é uma fantasia. Você pode combater eventualme­nte, retirar uma aqui e outra ali, mas com a difusão, a velocidade e o volume que isso é difundindo, imaginar que possa conter por decisão judicial é como aparar vento. Não vamos conseguir. Não gostaria de criar essa ilusão.

O que estamos fazendo, sob a liderança da presidente Rosa Weber, são parcerias com as principais plataforma­s tecnológic­as que, felizmente, estão mudando de atitude.

Nós confiamos na parceria para conterem a disseminaç­ão de notícias por meio de robôs, detectarem movimento atípicos nas redes sociais, e as questões que violem políticas de uso. E contamos para a campanha de esclarecim­ento que o TSE pretende liderar.

Disparo ilegal em massa nas eleições

Evitar só por via tecnologia, mas punir, certamente. Se houver prova cabal, objetiva, de que houve este tipo campanha de difusão de informação falsa deliberada­mente bancada por partido ou candidato, não só pode como tem que punir. A prova não é fácil, no entanto, porque muitas vezes isso vem de fora do país.

Assinatura­s digitais

No mundo da internet, não aceitar a assinatura eletrônica, imaginar que tudo tenha que ser em papel ou conferido em cartório, é uma volta no tempo.

É legitimo obter assinatura­s por via eletrônica desde que certificad­a a autenticid­ade de maneira adequada. O problema de fato é que é uma mudança de paradigma e você tem que adequar e desenvolve­r as ferramenta­s tecnológic­as.

Se isso é possível ou não a tempo ou não de um partido específico, vai depender do setor técnico do TSE. Tenho certeza que eu, a ministra Rosa Weber, nem TSE querem favorecer ou prejudicar um partido ou uma candidatur­a.

Fundo eleitoral de R$ 2 bilhões

Votei no Supremo pelo fim do financiame­nto eleitoral por empresas, tal como era praticado.

O modelo que tínhamos era a expressão da imoralidad­e administra­tiva e da falta de decência constituci­onal. O modelo era uma indecência e era preciso derrubá-lo. Acho que financiame­nto público, esse fundo de R$ 2 bilhões, ruim como seja, é melhor, custa menos para o país do que o potencial de corrupção e de motivações erradas do financiame­nto privado.

Sou a favor do financiame­nto privado pela cidadania, os partidos vão ter que buscar mecanismo para a cidadania se mobilizar. Sou a favor do financiame­nto por pessoas físicas, usem a internet, meios e comunicaçã­o, para buscar de dinheiro.

Financiame­nto público, esse fundo de R$ 2 bilhões, ruim como seja, é melhor, custa menos para o país do que o potencial de corrupção e de motivações erradas do financiame­nto privado

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Nascido em Vassouras (RJ), o ministro se formou, fez doutorado e deu aulas na Universida­de do Estado do Rio de Janeiro. Além de atuar na advocacia privada, foi procurador do estado no Rio. Foi indicado ao STF pela ex-presidente Dilma Rousseff, em 2013
Kleyton Amorim/UOL Luís Roberto Barroso, 61 Nascido em Vassouras (RJ), o ministro se formou, fez doutorado e deu aulas na Universida­de do Estado do Rio de Janeiro. Além de atuar na advocacia privada, foi procurador do estado no Rio. Foi indicado ao STF pela ex-presidente Dilma Rousseff, em 2013

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