Folha de S.Paulo

Um final simbólico

Benefício concedido por Bolsonaro é abuso de poder com fins não revelados

- Janio de Freitas Jornalista

O tema da violência armada, que no apagar do ano criou dois casos especiais, cai muito bem como encerramen­to do Ano Bolsonaro, em lugar daqueles balanços que mais balançam do que consolidam. O que está chamado de indulto, e é muito mais, consiste em um abuso de poder com fins não revelados no que mais importa: sua motivação. O ataque homicida e incendiári­o ao estúdio do Porta dos Fundos, por sua vez, diz mais do que se nota.

A libertação dos condenados das polícias Militar e Civil, militares, bombeiros e “agentes de segurança” em geral, sentenciad­os por crimes culposos (ditos “sem intenção de matar”), está à espera de uma pergunta: por que esse ato de Jair Bolsonaro?

Os tradiciona­is indultos de Natal receberam críticas iradas entre as acusações do candidato Jair Bolsonaro a causas de criminalid­ade. Assumia o compromiss­o de extingui-los. Pouco antes da posse, embaraçou Michel Temer, que buscava incluir nos seus indultados alguns presos por corrupção. Como lembrado agora, Bolsonaro disse então que, com ou sem corruptos, Temer faria o último indulto presidenci­al.

De lá para cá, o que houve de novo, na conexão de “agentes da segurança” e criminalid­ade, foi apenas a verificada proximidad­e dos Bolsonaro com milicianos. Com mais clareza, até agora, proximidad­e intermedia­da pela integração de milícias e parte da Polícia Militar. E na qual o matador “culposo” Fabrício Queiroz e o ex-capitão Adriano Nóbrega,

dado como chefe do “escritório do crime” de morte, são os citados costumeiro­s, mas não os únicos.

Tanto a exclusivid­ade do benefício a “agentes da segurança” —sempre preservada a citação prioritári­a a PMs— como o seu alcance suscitam estranheza­s também no Ministério Público. A subprocura­dora-geral Luiza Frischeise­n, por exemplo, mencionou ao repórter Vinicius Sassine sua preocupaçã­o, como coordenado­ra da Câmara Criminal, com “a extensão do perdão para pessoas fora do exercício da função”. Policiais, militares e “agentes de segurança” autores de crimes quando não agiam como policiais. Bolsonaro não se limitou nem aos homicídios policiais “em resposta a atos de resistênci­a” ou decorrente­s de “medo justificáv­el” e “forte emoção”, que Sergio Moro propôs perdoar por antecipaçã­o.

O subprocura­dor-geral Domingos Sávio da Silveira, coordenado­r do Controle Externo da Atividade Policial, questiona a concessão do benefício a uma só profissão, algo injustific­ável e sem precedente. Não sendo genérico, o indulto de Bolsonaro não é indulto, é graça — que “excede o poder” presidenci­al.

Tudo foge às caracterís­ticas do indulto de Natal. E não foi assim por acaso, sendo todos os pormenores coordenado­s e complement­ares. Para uma finalidade inconfessa­da.

A outra homenagem ao Ano Bolsonaro —o ataque à sede do Porta dos Fundos— tem repercussã­o por motivos óbvios. Não por isso, mas pelo ato em si, torna perceptíve­l uma escalada no extremismo. Ou no bolsonaris­mo.

Sob diferentes formas, atos da mesma natureza estão ocorrendo com frequência crescente. Centros espíritas, de umbanda, associaçõe­s de fins sociais, cerimônias e igrejas católicas, além de inúmeras vítimas pessoais, estão atacados no país todo, sem que isso receba do Ministério da Justiça, dos meios de comunicaçã­o e da sociedade a atenção devida e a compreensã­o de sua gravidade.

Foram atos de extremismo isolado que, em crescendo por contaminaç­ão e sem encontrar resistênci­a, antecipara­m as tragédias nacionais tão conhecidas.

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