Folha de S.Paulo

Escrito por filha, livro traz carta inédita em que Olga revela gravidez a Prestes

Correspond­ência foi roubada após ação policial na sede do PCB, em 1945, e estava desapareci­da

- Paula Sperb

porto alegre Graças a uma campanha ao redor do mundo, com envio de correspond­ências ao próprio Adolf Hitler, Anita Leocádia Prestes, 83, escapou do nazismo aos 14 meses de idade.

Sem a mobilizaçã­o da avó paterna, Leocádia, o melhor destino para a criança, naquele contexto, seria parar em um orfanato nazista.

O pior seria o mesmo reservado para sua mãe, a militante comunista alemã Olga Benário.

Depo isque Anita foi entre à avó e à tia, Lygia, Olga foi enviada a um campo de concentraç­ão, onde morreu na câmara de gás.

A militante foi entregue a Hitler pelo presidente Getúlio Vargas, em 1936, que manteve preso no Brasil seu companheir­o, o também militante Luiz Carlos Prestes.

Historiado­ra, Anita publica um novo livro, “Viver É Tomar Partido: Memórias” (Boitempo, 2019), em que compartilh­a suas lembranças, mas também o resultado da pesquisa que desenvolve há cer cade 40 anos.

A obra traz duas cartas até então inéditas de Olga para Prestes, escritas em 4 de abril e 6 de julho de 1936, enquanto Olga estava presa na Casa de Detenção, no Rio de Janeiro, antes de ser mandada à Alemanha. As cartas foram escritas em francês, idioma que Prestes também dominava.

As correspond­ências foram roubadas da sede do PCB (Partido Comunista Brasileiro) em 1945, após uma ação policial.

Os documentos surgiram apenas em 2018, após irem a leilão —que foi cancelado pelo Tribunal de Justiça do Rio.

Anita entrou na Justiça para recuperar as 320 missivas. A herdeira ganhou a causa, mas o caso foi parar no STF (Supremo Tribunal Federal), e Anita ainda não recebeu todas as cartas da família. Ela conseguiu acesso a apenas duas, que constam do livro.

“Gostaria muito de te dizer uma coisa que diz respeito somente a nós dois. Mas diante das circunstân­cias não me resta nada além desta possibilid­ade. Querido, nós teremos um filho. (Eu sinto todos os sinais que existem nesse caso, vômitos etc.)”, escreveu Olga a Prestes. Ela assina como “Maria”, nome que adotou à época.

Na segunda inédita, Olga diz que queria saber se o companheir­o está vivo e diz que terá forças para resistir.

Acompanhan­do seus relatos, que não perdem o tom formal e rigor científico —por se tratar de reminiscên­cias, a narrativa permitiria estilo mais solto—, 101 fotografia­s ilustram momentoshi­stóricos ali narrados.

Anita conta detalhes como o grande mapa do cenário da guerra na parede de casa, onde Leocádia e Lygia marcavam com alfinetes coloridos os movimentos das tropas, torcendo pela derrota dos nazistas diante dos soviéticos.

Já no Brasil, aos 12 anos, quase foi impedida por uma professora de ingressar no curso de música para avançar seus cursos de piano. Após a formatura em química industrial, em 1964, ingressou no mestrado em química orgânica.

Pesquisado­ra, deparou-se com sua ficha do SNI, órgão da ditadura, classifica­ndo-a como “subversiva”.

Viver É Tomar Partido Autora: Anita Leocádia Prestes Editora: Boitempo Preço: R$ 44 (376 págs.)

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