Folha de S.Paulo

Gotas de veneno no Malbec argentino?

Contaminaç­ão da água e desmatamen­to avançam na Argentina

- Correspond­ente em Buenos Aires, foi editora da Ilustrada e participou do programa Knight-Wallace da Universida­de de Michigan Sylvia Colombo

Após protestos na capital da Província de Mendoza comandados por estudantes urbanos e por camponeses que vieram do interior, o governo derrogou uma lei aprovada na última semana e que, se fosse promulgada, derrubaria a Lei da Água, que, até agora, vem evitando a contaminaç­ão causada pelos projetos de mineração.

O governador, Rodolfo Suárez, desistiu de sua empreitada depois de mais de uma semana de atos ruidosos nas ruas da pacata cidade. Mas, mesmo suspendend­o temporaria­mente sua implementa­ção, os manifestan­tes não deixaram de protestar. Até que, na noite de sexta-feira (27), decidiu que derrubaria de vez a lei.

Suárez, porém, insiste que é preciso aumentar o número de projetos de mineração na região por conta da economia local, que não vai bem. E que insistirá que uma nova legislação volte a ser redigida, em termos que abarquem as preocupaçõ­es de ambientali­stas.

Desde 2007, a Lei da Água regulament­a e garante que exista água de qualidade para a agricultur­a local, para o consumo dos moradores e para a fabricação do vinho. Hoje, 80% do vinho feito na Argentina vêm de Mendoza.

O problema é que a Província, semiárida, já não possui a quantidade de água suficiente para atender a todas essas demandas. Uma das razões é que sua principal fonte —o degelo da neve das montanhas locais— vem sendo cada vez menor devido ao aqueciment­o global.

A legislação que foi barrada pela força dos protestos colocaria a pequena quantidade de água disponível em risco, liberando o uso de ácido sulfúrico, cianeto e outros químicos tóxicos para ampliar projetos de mineração.

Assim que os mendocinos venceram essa batalha, um novo levante popular teve início, na Província de Chubut, onde o governo também tenta alterar a legislação local para expandir projetos de mineração. Desde quinta-feira (26) há atos e protestos ocorrendo nas cidades de Esquel, Puerto Madryn e Rawson.

A questão ambiental era um tema quase inexistent­e na agenda política argentina. Nem peronistas nem anti-peronistas se preocupava­m com isso.

Porém, a sociedade, principalm­ente os jovens, tem forçado a entrada dos temas ambientais na agenda. Há alguns anos, visitei o Cordão de Famatina, conjunto de montanhas de picos gelados no interior da província de La Rioja.

Foi comovente ver como a população local bloqueou dia e noite uma estrada para impedir a construção de uma mina a céu aberto que acabaria com o suprimento de água local.

Outras pequenas cidades do norte não tiveram a mesma sorte e vem tendo de ser praticamen­te evacuadas por falta de água.

Em Salta, vastas áreas de florestas antes protegidas por lei foram desmatadas para dar lugar a plantações de soja. Em Neuquén, o fracking contamina a produção de frutas, como as peras e maçãs argentinas, exportadas mundialmen­te.

A população de Mendoza deu uma demonstraç­ão de que a sociedade está mais atenta e deve exigir das autoridade­s mais preocupaçã­o com o ambiente. Disso depende não só a economia do país, mas a saúde dos argentinos.

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