Folha de S.Paulo

Metáforas de Guedes criaram novo dicionário econômico

Ministro usa figuras de linguagem, como criaturas do pântano político e a baleia arpoada, para ilustrar problemas nacionais

- Bernardo Caram e Fábio Pupo

brasília Criaturas do pântano, uma baleia arpoada e o passageiro de um avião sem combustíve­l habitam o imaginário dos membros da equipe econômica. Desde janeiro, quando assumiu o posto, o ministro Paulo Guedes (Economia) recheou seus inúmeros discursos e reuniões com frases metafórica­s repetidas exaustivam­ente.

Quem acompanhou as falas do ministro desde o início do governo já é capaz de adivinhar ao menos parte das citações que serão feitas durante os pronunciam­entos. Entre jornalista­s que acompanham o dia a dia da pasta, há até uma espécie de jogo para tentar prever as frases que serão usadas. O índice de acerto costuma ser alto.

Pouco afeito a entrevista­s, Guedes aceitou conversar com a imprensa poucas vezes durante seu primeiro ano de gestão à frente do superminis­tério. Na mais recente entrevista, quando um balanço sobre o ano, fez uma introdução de uma hora e oito minutos até ser convencido a abrir o microfone para perguntas.

Guedes é participan­te frequente de seminários e aberturas de eventos, onde fala livremente em apresentaç­ões que costumam durar também pelo menos uma hora.

Nessas e em outras ocasiões, um dos exemplos mais usados ao descrever o desempenho da economia brasileira se refere a uma baleia que agoniza no mar.

“O Brasil é uma baleia ferida que foi arpoada várias vezes, foi sangrando e parou de se mover. Precisamos retirar os arpões”, afirmou em junho durante uma audiência pública na Câmara.

A frase foi repetida em outras apresentaç­ões, mas acabou mudando de tom com o encerramen­to do ano.

Após a divulgação de indicadore­s positivos de atividade econômica e do emprego, Guedes passou a afirmar que, agora, a baleia começa a se mover. Ele se diverte ao dizer que só não é tão otimista quanto um apoiador que fez uma charge com uma baleia que já começa avoar.

Em outra fala recorrente, o ministro faz referência apessoas que, a olongo dos anos, tomaram posse do Estado, se beneficiar­am com recursos públicos, incentivos tributário­s ou distorções em fundos públicos.

“Piratas privados, burocratas corruptos e criaturas do pântano político se associaram contra o povo brasileiro.”

Ao defendera reformada Previdênci­a, agora aprovada pelo Congresso, o ministro ilustrava o esgotament­o do sistema de aposentado­rias do país com outro exemplo figurativo.

“Seu filho entra no mesmo voo condenado, indo para alto-mar sem combustíve­l. O seu paraquedas você segura, e ele vai para o inferno. É isso o que essa geração quer fazer?”, dizia. “Nossos filhos e netos, por falta de coragem nossa, estão condenados a continuar nesse mesmo avião, que vai cair por falta de combustíve­l.”

Ainda sobre a Previdênci­a, dizia que o sistema tinha “bombas-relógio”, como a demografia, já que o número de idosos no país é cada vez maior e eles precisam ser bancados pelos jovens em idade ativa, que não acompanham esse cresciment­o na mesma proporção.

Os encargos trabalhist­as, em sua opinião, são “armas de destruição em massa de empregos”.

Em reuniões fechadas, Guedes também não poupa os participan­tes de suas longas análises. Gosta de fazer a própria equipe de plateia.

Entre os auxiliares do ministro, há quem relate a tensão ao pensar em perder o voo quando as falas do chefe se prolongam ao fim das reuniões. As divagações variam sobre temas que vão da civilizaçã­o maia à perestroik­a russa.

Com grande bagagem de história econômica, Guedes gosta de narrar acontecime­ntos marcantes de outros países e fazer relação com o Brasil.

“São R$ 400 bilhões de juros [da dívida] por ano. O Brasil reconstrói uma Europa por ano. É um Plano Marshall por ano”, afirma, em referência ao plano do governo dos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial para reerguer países aliados.

Além das metáforas e das frases de efeito, o ano do ministro na condução da economia teve gafe e discussão.

Em abril, durante um debate sobre a reforma da Previdênci­a, o deputado Zeca Dirceu (PT-PR) afirmou que o ministro é “tigrão” com uns e “tchutchuca” com outros, sugerindo que Guedes privilegia banqueiros e rentistas.

“Tchutchuca é a mãe, tchutchuca é a avó!”, respondeu o ministro.

Em setembro, ele defendeu comentário ofensivo do presidente Jair Bolsonaro à primeira-dama francesa, Brigitte Macron.

“O Macron falou que estão colocando fogo na Amazônia. O presidente [Bolsonaro] devolveu, falou que a mulher do Macron é feia. O presidente falou a verdade, ela é feia mesmo”, disse durante o evento. Depois, o ministério emitiu uma nota de desculpas pela ofensa.

 ??  ??
 ??  ?? Burocrata corrupto
Burocrata corrupto
 ??  ?? Criatura do pântano político
Criatura do pântano político

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil