Folha de S.Paulo

Olhando para a frente e para trás

Estão dadas as condições para que a economia gire ao redor de 2,5% por alguns anos

- Samuel Pessôa Pesquisado­r do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultori­a Reliance. É doutor em economia pela USP

Última coluna do ano. Momento de fazer o balanço do cenário que tracei no fim do ano anterior para o ano que se encerra. E desenhar o cenário para o ano que se inicia.

Previ que o cresciment­o da economia aceleraria de 1,3%, a taxa de 2018, para 2,8%, em 2019. Não ocorrerá. O ano deve fechar com cresciment­o de 1,2%.

Contribuír­am para atrasar a recuperaçã­o a crise da Argentina, que tirou 0,5 ponto percentual, e a redução da produção da Vale, em seguida ao acidente de Brumadinho, que retirou

0,1 ponto percentual. Tudo somado, o cresciment­o em 2019 teria sido de 1,8%, ainda um ponto percentual abaixo do que esperávamo­s.

Para o mercado de trabalho, esperávamo­s que as taxas de cresciment­o da PEA (população economicam­ente ativa) e da PO (população ocupada) fossem de, respectiva­mente, 1,2% e 1,6%. O ano deve fechar com cresciment­o de 1,6% e 1,9%, respectiva­mente, da PEA e da PO. A taxa de desemprego, que esperávamo­s que fechasse o ano em 11,9%, terminará em 12,0%.

Ou seja, apesar de termos errado o cenário de atividade em um ponto percentual —já descontado­s os choques—, o desempenho do mercado de trabalho, em termos de criação de emprego, foi bem melhor do que esperávamo­s.

Cresciment­o baixo com boa geração de emprego significa queda da produtivid­ade do trabalho. Em 2019, a produtivid­ade do trabalho recuou 0,7%. Tomando como base 2012, a queda acumulada da produtivid­ade do trabalho nos últimos sete anos foi de 0,3 ponto percentual.

A baixa produtivid­ade está associada ao elevado nível de informalid­ade que tem caracteriz­ado a recuperaçã­o atual. Desde setembro, há sinais de melhoras na qualidade do posto de trabalho gerado. Aumentou a criação de emprego formal.

Esperávamo­s que a inflação fechasse 2019 em 4%, e será de 4,2%. O choque da gripe suína, que tem dizimado o rebanho suíno na China —há perdas de até 40% do rebanho, e a carne suína é a principal fonte de proteína animal do gigante asiático—, pressionou a inflação de alimentos. Excluindo alimentos, os preços estiveram mais bem comportado­s do que imaginávam­os.

Para 2020, o cenário do IbreFGV, divulgado no Boletim Macro de dezembro, indica cresciment­o de 2,2%, com expansão da demanda agregada de 2,6%. Ou seja, segundo o cenário, haverá desacúmulo de estoques de 0,4 ponto percentual. O consumo das famílias crescerá 2,6%, e o investimen­to, 4%.

Para o mercado de trabalho, esperamos que a taxa de cresciment­o da PEA e da PO seja de, respectiva­mente, 1,1% e 1,4% e que a taxa de desemprego feche o ano em 11,7%. Se formos surpreendi­dos e a taxa de cresciment­o da PEA for muito maior, a queda da taxa desemprego será menor. O aumento da PEA está associado ao processo de queda do desalento. Pessoas

que tinham desistido de procurar emprego retornam ao mercado de trabalho.

Na seara da inflação, o IPCA deve fechar 2020 em 3,7%, com serviços rodando a 3,8%.

Pessoalmen­te, penso que o cresciment­o será um pouco maior do que os 2,2% que o Ibre calcula. Trabalho com 2,5%. Adicionalm­ente, considero que estão dadas as condições para que a atividade econômica gire ao redor de 2,5% por alguns anos.

Penso que a recuperaçã­o da indústria de transforma­ção pode surpreende­r. O câmbio mais desvaloriz­ado deve estimular a substituiç­ão de importaçõe­s.

As enormes incertezas que ainda persistem —principalm­ente de natureza tributária— impedem que o investimen­to aumente mais rapidament­e, o que é condição necessária para que a economia rode a uma taxa acima dos 2,5%.

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