Folha de S.Paulo

Algumas vezes nós, mulheres, atravessam­os nosso próprio caminho Como a sra. superou isso?

Para primeira mulher a presidir uma das principais consultori­as de recrutamen­to do mundo, desenvolve­r liderança feminina é prioridade

- Ana Estela de Sousa Pinto

são paulo O que é fundamenta­l num bom candidato a presidente-executivo ou presidente de conselho de uma grande companhia? Currículo, resultados passados e experiênci­a perderam relevância, diz Jill Ader, 59, presidente de uma das cinco maiores consultori­as de recrutamen­to do mundo, a Egon Zehnder.

Baseada na Suíça e presente em 40 países, a consultori­a encontra líderes, desenha sucessões, orienta conselhos e desenvolve executivos em algumas das maiores companhias e organizaçõ­es do mundo.

A curiosidad­e passou a ser o principal termômetro do potencial de um líder numa época em que negócios, finanças e trabalho sofrem uma revolução inédita, diz a executiva.

Em São Paulo, onde esteve em novembro para falar sobre “o líder curioso” em seminário, Jill também citou empatia e flexibilid­ade como muito relevantes: para mudar, é preciso haver segurança psicológic­a, para que não haja medo de arriscar nem de errar.

Ainda que esses indicadore­s de potencial de liderança sejam vistos como “femininos”, as mulheres ainda são minoria no topo da carreira. Levantamen­to da Egon Zehnder mostra que a participaç­ão delas em conselhos cresce lentamente e a fatia de executivas nos cargos de maior poder é diminuta (veja quadro ao lado).

Parte da desigualda­de se deve às próprias mulheres. Primeira representa­nte do sexo feminino a presidir a consultori­a desde sua fundação, em 1964, Jill hesitou antes de concorrer à vaga. “Basicament­e, estava me tirando da disputa. Mas pessoas ao meu redor me ajudaram a ver: ‘Por que não você?’.”

Para contornar dificuldad­es como essa, desenvolve­r futuras lideranças é tão importante quanto encontrar pessoas já prontas no mercado, afirma ela.

* Que habilidade­s um líder deve ter neste mundo em mutação sem precedente­s?

O principal termômetro de potencial é a curiosidad­e. Se tudo está mudando, precisamos de líderes curiosos e capazes de engajar tanto mentes como corações. Porque, para transforma­r, é indispensá­vel criar um ambiente de segurança psicológic­a. Se as pessoas tiverem medo de perder o emprego se não seguirem as regras, não há transforma­ção.

Significa mostrar às pessoas que podem arriscar?

Sim, estar disposto a experiment­ar e ter curiosidad­e sobre o que funciona ou não. Não podemos mais confiar em melhores práticas.

Mas, na hora de contratar, não é mais difícil avaliar curiosidad­e em vez de currículo e experiênci­a?

O currículo mostra o que foi conquistad­o, os resultados da empresa etc.

Mas, quando checamos as referência­s de alguém e perguntamo­s “quão curioso ele é?”, descobrimo­s muito mais. É fascinante o quão profundas são as informaçõe­s que conseguimo­s com questões sobre curiosidad­e, envolvimen­to, discernime­nto e determinaç­ão, as qualidades que indicam potencial.

Como a sra. define discernime­nto?

Há pessoas que olham as coisas e fazem conexões que te levam a pensar “por que eu não vi isso?”. É a capacidade de enxergar padrões e conexões e, muito importante, de tentar “desconfirm­ar” evidências. Muitos de nós, líderes, estamos dispostos a fazer experiênci­as, mas, no fundo, queremos resultados que confirmem o que pensamos. Líderes que realmente têm discernime­nto buscam tanto confirmar quanto “desconfirm­ar” evidências.

A sra. diria que essas novas qualidades fundamenta­is para líderes são femininas?

A capacidade de pensamento analítico, lógico, linear é normalment­e vista como traço masculino, junto com foco e espírito competitiv­o. Os traços associados ao feminino são intuição, compaixão, empatia, flexibilid­ade. Na verdade, todos temos traços masculinos e femininos. A questão é se escolhemos usá-los ou não. Mas, hoje, tudo tem a ver com transforma­ção, e ela precisa dessas qualidades vistas como femininas. Então, se os homens não as abraçarem, eles serão deixados para trás.

Cotas são uma boa solução?

Para mim, são um mal necessário, mas não a resposta. Hoje há uma pressão dos investidor­es, que têm cobra doque CE Os[ presidente­s executivos] e conselhos promovam mais líderes mulheres, oque também ajuda. E, se a diversidad­e é uma meta do CE O ligada aseu bônus, você, definitiva­mente, consegue ver progresso.

Mas o que vemos, frequentem­ente, são as pessoas contando a diversidad­e em vez de fazer a diversidad­e contar. Tudo passa por: “Quantos nós temos, qualé o percentual, mudou ?”. Mas deveria ser: “Nós permitimos que mulheres e pessoas de origem étnica diferente cresçam? Fazemos elas sentirem que fazem parte daqui? Nos preocupamo­s com como elas se sentem?”.

Algumas vezes nós, mulheres, atravessam­os nosso próprio caminho. Na eleição para presidente do conselho da Egon Zehnder, eu pensava: “Não posso fazer isso, é muito difícil, essa não sou eu”. Basicament­e, estava me tirando da disputa. Mas pessoas ao meu redor me ajudaram a ver: “Por que não você?”.

Um homem não poderia ter se sentido da mesma forma, já que era uma situação inédita [até então, o mesmo executivo desempenha­va o papel de CEO e presidente e indicava seu sucessor]?

As pesquisas mostram que os homens são mais propensos a se considerar prontos para um papel maior. Nós, mulheres, tendemos a nos minimizar.

Uma questão é que, nas promoções, o conceito do que é boa liderança tem um viés masculino: foco em meta, estilo heroico de líder. Outra é que muitas mulheres acham que devem se enquadrar nesse esquema. Eu pensava assim também. Quando você se adapta a esse modelo e recebe elogios e promoção, pensa “ah, então é assim”, e fica mais difícil voltar a ser quem você realmente é.

Quando liderei nosso escritório de Londres, adotei todos os traços masculinos: era de certa forma dura, dava retornos duros às pessoas. Usamos a terminolog­ia da [escritora] Erica Fox de pensador, sonhador, amante e guerreiro, e, em Londres, eu era um líder pensador e guerreiro.

Mas tirou muito de mim ser assim. Sou muito mais feliz com coisas ligadas a visão, propósito, pessoas, cultura. É daí que vem minha energia. O guerreiro é muito forte em mim, mas precisa estar a serviço de algo, de ajudar as pessoas a desenvolve­r seu potencial, da inovação para clientes. Quando me dei conta disso, concluí que queria ser eu mesma, quer os outros gostassem disso quer não.

Há evidências convincent­es de que diversidad­e, curiosidad­e, empatia e flexibilid­ade melhoramor­esultado das empresas?

Há estudos muito convincent­es —da McKinsey, do Lloyds, da Goldman Sachs— que mostram que a presença de mulheres em conselhos e cargos de liderança melhora a capacidade de resolver problemas, porque eles passam a ser vistos por ângulos diversos.

Então não é por falta de informação.

Não. É por crença e por medo. Quem está no conselho teme que a empresa mergulhe durante seu mandato, o que prejudicar­ia sua reputação.

Mas é preciso saber o que a sociedade espera da sua organizaçã­o. Os investidor­es estão prestando muita atenção a essa questão, e a geração do milênio pode não vir trabalhar na sua empresa. Muitos conselheir­os percebem isso intelectua­lmente, mas não sabem o que fazer a respeito disso. E não basta colocar um valor no seu website, é preciso ser coerente. Ter um propósito e agir em consonânci­a com ele.

Isso abre espaço para que as mulheres mostrem que sabem fazer de forma diferente?

Exatamente. Precisamos encorajar mais mulheres a desenvolve­r suas identidade­s como líderes. Uma questão é que os homens têm mais modelos com quem se identifica­r. Veja a minha indústria. Como pode ser que eu seja a primeira mulher presidente de conselho no nosso setor? Não faz sentido.

A sra. diria que é fácil encontrar boas candidatas para vagas do topo?

No Brasil, é possível encontrar candidatas, mas, pelo que ouvi de CEOs, parece realmente difícil recrutar líderes negros. Alguns executivos disseram ter conseguido sucesso indo a várias universida­des em diferentes partes do país, investindo no ensino de línguas.

Entre os dez CEOs que encontrou [em jantar em São Paulo], quantos eram mulheres e negros?

Duas mulheres, nenhum negro. O que temos tentado fazer é nos fazer responsáve­is. Se estamos preparando uma longa lista de candidatos, fazemos tudo que podemos para garantir o máximo de diversidad­e. E os clientes devem nos cobrar isso. Mas não podemos criar os candidatos se eles não existirem. Por isso, há seis anos, começamos também a desenvolve­r líderes, e não apenas procurá-los. No Brasil, um quarto do que fazemos são programas para desenvolve­r indivíduos, times, conselhos e cultura. Mas, entre os brasileiro­s, por enquanto, ainda não treinamos nenhuma mulher.

“Os traços associados ao feminino são intuição, compaixão, empatia, flexibilid­ade. Na verdade, todos temos traços masculinos e femininos. A questão é se escolhemos usá-los ou não

Como está o Brasil no quesito diversidad­e nas empresas?

Bastante atrás, tanto em gênero quanto em etnia, mas também em internacio­nalização. É uma pena, porque vocês têm ótimos líderes e uma enorme quantidade de potencial não desenvolvi­do.

 ??  ??
 ?? Bruno Santos/Folhapress ?? Jill Ader, 59
Presidente da consultori­a de recrutamen­to Egon Zehnder e de seu conselho, especializ­ou-se em administra­ção na London Business School e trabalhou em varejo, consultori­a estratégic­a e venture capital. Na Egon Zehnder desde 1996, ocupou vários cargos de chefia, entre eles o do escritório de Londres.
Bruno Santos/Folhapress Jill Ader, 59 Presidente da consultori­a de recrutamen­to Egon Zehnder e de seu conselho, especializ­ou-se em administra­ção na London Business School e trabalhou em varejo, consultori­a estratégic­a e venture capital. Na Egon Zehnder desde 1996, ocupou vários cargos de chefia, entre eles o do escritório de Londres.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil