Folha de S.Paulo

Retratar os americanos que mudaram a história dos EUA exigiu mais que inspiração

- Marina Dias

Não era uma missão fácil. Retratar a vida dos americanos que mudaram a história dos Estados Unidos em 2016 exigia mais do que inspiração.

Mas o ponto de partida era fundamenta­l. Decidimos mostrar como as pessoas têm se relacionad­o com o país desde a eleição de Donald Trump —e quais suas perspectiv­as para a disputa de 2020— numa narrativa baseada em “The Americans”, uma das obras mais importante­s da fotografia, produzida pelo suíço Robert Frank.

Na década de 1950, ele viajou por um ano e meio pelos EUA e escancarou a melancolia em contraste com o otimismo do sonho americano propagado pela TV naquela época.

No nosso caso, o tempo era outro. Para “Os Americanos”, série de três capítulos que a Folha publica desde 17 de dezembro, tínhamos 11 dias para cair na estrada e tentar explicar o cenário político costurado à vida cotidiana em quatro estados que serão novamente decisivos na corrida pela Casa Branca.

O esforço de reportagem começou ainda em julho, quando esboçamos o roteiro pelo chamado Cinturão da Ferrugem para a viagem que aconteceri­a somente dali a três meses. Entre Pensilvâni­a, Ohio, Michigan e Wisconsin, escolhemos cidades que, segundo dados e estrategis­tas de campanha, poderiam nos oferecer os principais perfis da região: homens brancos, mais velhos e sem nível superior —fundamenta­is para a vitória de Trump— que se concentram em áreas rurais e pequenos centros urbanos do Meio Oeste do país.

Também procurávam­os mulheres e homens negros, eleitorado determinan­te à oposição do presidente, e aqueles que escolheram a democrata Hillary Clinton na disputa de três anos atrás.

Sabemos que muito ainda pode mudar no tabuleiro político, mas ouvir pessoas diretament­e em seus estados era parte da nossa tentativa de traçar o atual termômetro da região que surpreende­u analistas em 2016.

Trump atropelou previsões e ganhou no Cinturão da Ferrugem com margem apertada, porém suficiente para sair vitorioso num país onde o sistema de voto é indireto, via Colégio Eleitoral. Com as cidades escolhidas, fizemos pesquisas para encontrar eventos ou histórias que pudessem ser simbólicas nesses municípios.

Algumas entrevista­s marcamos com antecedênc­ia, mas nosso objetivo era encontrar personagen­s de maneira espontânea, para que as respostas aos nossos questionam­entos surgissem com mais naturalida­de. A surpresa, porém, apareceu do nosso lado. Na América profunda, a atmosfera decadente, muitas vezes de abandono, revela um cenário em que é difícil acreditar que ainda estamos no país mais rico do mundo.

Em várias ocasiões era complicado achar alguém na rua para nos indicar um lugar para tomar um café e a agonia de não encontrar boas histórias nos acometia a cada início de dia.

Um vazio que persegue quase todo jornalista com o bloco em branco nas mãos. Mas as pessoas com quem cruzamos em 14 cidades e 2.414 km eram geralmente receptivas e preenchera­m nossas páginas com paradoxos e novidades.

“Os Americanos” só foi possível por causa do olhar de cada uma delas —somado ao do sempre atento Lalo de Almeida, ao de Daigo Oliva, que coordenou e editou o projeto, aos de Beatriz Peres, Fernando Sciarra e dos vários profission­ais que ajudaram no desenvolvi­mento dessa série.

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Queimada no seringal Albracia, na Resex Chico Mendes, no Acre, após Ricardo Salles suspender a fiscalizaç­ão depois de falar com infratores
Lalo de Almeida/Folhapress 5 DE DEZEMBRO Queimada no seringal Albracia, na Resex Chico Mendes, no Acre, após Ricardo Salles suspender a fiscalizaç­ão depois de falar com infratores
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Lalo de Almeida/Folhapress Os jornalista­s Lalo de Almeida e Marina Dias em estrada próxima a Wisconsin Dells, nos EUA

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