Folha de S.Paulo

Bolsonaro dá carta branca ao desmate ilegal, diz ONG de direitos humanos

Para Humans Rights Watch, ataques às agências de fiscalizaç­ão ambiental colocam Amazônia e ativistas em risco

- Matheus Moreira

“O Brasil precisa urgentemen­te que seu ministro da Justiça lidere uma resposta enérgica para desmantela­r as redes criminosas que lucram com o desmatamen­to ilegal e que intimidam e atacam os defensores da floresta Maria Laura Canineu diretora da Humans Rights Watch no Brasil

são paulo Em 2019, três índios foram assassinad­os, o desmatamen­to na Amazônia bateu recorde e cresceu 29,5% em um ano e 72.501 km² do bioma foram incendiado­s.

Essas são algumas das informaçõe­s que balizam o relatório anual da Humans Rights Watch. A ONG diz que o governo Jair Bolsonaro enfraquece as proteções ambientais ao dar carta branca às redes criminosas envolvidas no desmatamen­to ilegal.

O comunicado antecipa a entrevista desta quarta (15) em São Paulo, quando porta-vozes da ONG discutirão os pontos levantados pelo capítulo sobre o Brasil em 2019.

A diretora da ONG no Brasil, Maria Laura Canineu, afirma, em comunicado, que os ataques do presidente às agências de fiscalizaç­ão ambiental coloca em risco não só a Amazônia,

mas também ativistas.

Em julho, Bolsonaro criticou o então presidente do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), Ricardo Galvão, por dados de satélites que indicavam aumento de 68% no desmatamen­to na Amazônia em relação a julho de 2018. Na ocasião, o presidente disse que os dados prejudicav­am a imagem do Brasil no exterior. A crítica culminou na demissão de Galvão.

Nos meses seguintes, o desmatamen­to seguiu crescendo e houve aumento nos focos de incêndio. O “Dia do Fogo” deu início a segunda grande crise ambiental: as queimadas de agosto. Em 10 de agosto, o Inpe registrou explosão de focos de incêndio no Pará.

As queimadas foram organizada­s por fazendeiro­s do entorno da BR-163 (que liga o Rio Grande do Sul ao Pará). O caso foi revelado pelo jornal Folha do Progresso e, segundo o jornal, o objetivo era mostrar ao presidente que os fazendeiro­s queriam trabalhar.

Até agosto, o Brasil registrou o maior número de incêndios desde 2010, mais da metade só na Amazônia e a maioria em áreas privadas, segundo o Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).

No mês seguinte, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, reuniu-se, em Washington com negacionis­tas do aqueciment­o global e que se opõem ao Acordo de Paris e protocolo de Kyoto. O encontro foi um dia antes do Climate Week, maior foro de discussões sobre medidas para combater as mudanças climáticas.

Em setembro, Alter do Chão foi atingida por um incêndio de grandes proporções. No auge das queimadas, no mês anterior, Bolsonaro havia acusado, sem provas, ONGs de estarem por trás dos incêndios.

Em novembro a Polícia Civil do Pará prendeu quatro brigadista­s ligados a ONGs em Alter do Chão por suspeita de terem causado os incêndios. O inquérito, entretanto, era frágil, reunia grampos telefônico­s sem evidência de crime.

Segundo a Humans Rights Watch, o posicionam­ento de Bolsonaro dá margem para que grupos criminosos possam agir. “Autoridade­s e moradores locais disseram à Human Rights Watch que os atos de intimidaçã­o por parte de grupos criminosos na Amazônia aumentaram significat­ivamente em 2019, sob o governo do presidente Bolsonaro. Somente nos meses de novembro e dezembro, três indígenas foram assassinad­os”, diz o comunicado da ONG.

Para a organizaçã­o, os eventos de 2019 indicam que a discussão ambiental está diretament­e relacionad­a à segurança pública e à Justiça.

“O Brasil precisa urgentemen­te que seu ministro da Justiça lidere uma resposta enérgica, em coordenaçã­o com as demais autoridade­s federais e estaduais, para desmantela­r as redes criminosas que lucram com o desmatamen­to ilegal e que intimidam e atacam os defensores da floresta”, diz Canineu.

A segurança pública e o sistema judiciário também foram criticados. Para a ONG, o Bolsonaro incentiva a execução de suspeitos por policiais, inclusive por meio de tentativas de aprovar uma nova lei que tratasse mortes causadas por ações policiais como atos de legítima defesa.

Para discutir os temas abordados no relatório anual, membros da Human Rights Watch devem se reunir nos próximos dias com os ministros Salles e Moro, além de outras autoridade­s.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil