Folha de S.Paulo

Como caí no golpe do WhatsApp

Fingindo contato profission­al, criminoso pede número de confirmaçã­o, clona usuário e solicita dinheiro de conhecidos

- Marcos Nogueira

O celular tocou, convite para festa de Henrique Fogaça. “Para confirmar sua presença, é preciso que o senhor repita o código que acabei de lhe enviar para o celular.” Pipocou um aviso na tela, repeti os números.

E minha vida virou um inferno.

são paulo O celular tocou enquanto eu participav­a do podcast de um jornalista amigo. Falávamos justamente sobre a relação entre imprensa e chefs de cozinha.

“Boa tarde, sr. Nogueira. Sou assessor do chef Henrique Fogaça. Ele me pediu para incluir seu nome na lista de uma festa que ele vai oferecer.”

Em junho do ano passado, fiz uma viagem a trabalho para a Itália. O Fogaça estava no grupo. A gente se conheceu, conversou. Não ficamos amigões do peito, mas me pareceu natural o convite. Apenas uma gentileza. A voz do outro lado da linha prosseguiu, sempre muito educada.

“Para confirmar sua presença, é preciso que o senhor repita o código que eu acabei de lhe enviar para o celular.”

Pipocou um aviso na tela e eu repeti os números. Era o código de segurança do WhatsApp. Minha vida virou um inferno a partir daquele momento.

Dois minutos depois, um amigo me telefonou para avisar que alguém havia clonado minha conta de WhatsApp e pedia um depósito em dinheiro como se fosse eu que precisasse desesperad­amente da grana. Preciso, mas não teria tamanha cara de pau.

O estelionat­ário —ou a quadrilha de 171s, como parece ser o caso— dá uma razão muito plausível para o empréstimo. Um pagamento urgente. Sempre algo que pode ser resolvido no dia seguinte, data para a qual o reembolso é prometido. E usa contas de terceiros com a desculpa de que a própria conta está bloqueada por algum motivo. Quem nunca deu calote neste país?

Até agora, quatro pessoas dos meus contatos deram dinheiro para o bando. Minha ex-mulher número 1. O pai de um amigo do meu filho. Uma amiga que calha de ser designer na Folha. Outra amiga de coração gigante que fez dois depósitos para o salafrário.

Não consigo recuperar a conta sequestrad­a. Os bandidos deram um jeito de bloquear o meu acesso usando senhas erradas para alertar o servidor de uma possível invasão. Irônico: são eles os invasores. Tentei os meios formais para contatar o WhatsApp/Facebook e tentar reverter a lambança. Só recebi mensagens robóticas de volta.

A polícia, diabos, por que não a procurei antes? Não é possível denunciar delitos digitais pela internet. Fui à Delegacia Especializ­ada de Investigaç­ão de Crimes Cibernétic­os, no prédio do Deic (Departamen­to Estadual de Investigaç­ões Criminais da Polícia Civil), na zona norte de São Paulo.

O flanelinha local já me deu a letra: “Ihhhh, de bermuda você não pode entrar no

Deic”. Dito e feito: na portaria havia um aviso detalhando o “dress code” da repartição. Dei uma chorada com o guardião do portal e recebi meu crachá plenipoten­ciário.

Duas coisas me impression­aram na tal delegacia cibernétic­a. Uma, o volume de pastas cheias de papel —montanhas e montanhas sobre as mesas dos responsáve­is por desbaratar crimes virtuais. Outra, a cara amarrada de todo mundo. Esse povo anda vendo muito filme policial made in USA. Os telefones não paravam de tocar para falar sempre do mesmo assunto: o golpe do zap.

Fiz meu boletim de ocorrência, medida protocolar que não resolveu em nada a minha vida até agora —muito menos a vida dos meus amigos, que saíram no prejuízo material. Obrigado por confiarem tanto em mim, pessoas. E me desculpem outra vez.

Na volta para casa, toca o telefone. Número desconheci­do. “Sr. Nogueira, falo em nome do restaurant­e Tontoni. O senhor foi contemplad­o no sorteio de um jantar para dois...”

Aparenteme­nte, a malta do zap tem familiarid­ade com o meio gastronômi­co. Os desqualifi­cados sabem do que estão falando. E o grupo tentou pegar também outros cronistas de comida, como o Marcelo Katsuki, meu colega de blogs na Folha.

Ouvi pacienteme­nte o fulano até ter certeza de que era o mesmo golpe. Então perdi a fleuma. “Escuta aqui, seu arrombado filho da puta! Já caí nesse golpe ontem.”

O sujeito não se alterou. Deu uma risadinha tímida, estilo do Zacarias (dos Trapalhões), e me carimbou na testa: “Trouxa”.

Pipocou um aviso na tela e eu repeti os números. Era o código de segurança do WhatsApp. Minha vida virou um inferno

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