Folha de S.Paulo

Vícios privados, lugares públicos

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Bruno Boghossian

brasília Alguém deve ter entendido mal quando os liberais de conveniênc­ia da equipe de Jair Bolsonaro passaram a incentivar parcerias entre empresas e o poder público. Dentro do Palácio do Planalto, vícios privados já fazem parte da rotina.

Os repórteres Fábio Fabrini e Julio Wiziack revelaram que o chefe da Secretaria de Comunicaçã­o da Presidênci­a tem uma empresa que recebe dinheiro de emissoras e agências de publicidad­e que faturam milhões com a pasta comandada por ele.

Em outras palavras: quando assumiu o cargo, em abril, Fabio Wajngarten passou a ser o cara que assina contratos que rendem fortunas para seus próprios clientes. Ele se recusou a fazer o óbvio e romper relações comerciais entre sua empresa e os fregueses interessad­os na dinheirama que passou a controlar.

Seria difícil inventar um caso mais típico de conflito de interesses. Agentes públicos devem se manter afastados de transações privadas porque cabe a eles zelar pela coisa pública com rigor absoluto. Mesmo que o secretário não tenha favorecido essas empresas, seu vínculo com elas deixa brechas para questionam­entos.

Wajngarten afirma que se afastou da administra­ção da empresa. O problema é que ele continua lucrando com seus negócios. Para piorar, dois clientes antigos da firma são Record e Band, emissoras que tiveram um salto no faturament­o publicitár­io com o governo depois que Bolsonaro assumiu o poder.

Diante de uma incompatib­ilidade tão evidente, o governo recorreu a sua arma mais comum, o ataque à imprensa. Afirmou que a Folha faz mau jornalismo, provavelme­nte por ter revelado uma relação que o presidente preferiria manter oculta.

Bolsonaro fugiu de uma entrevista coletiva quando ouviu uma pergunta sobre o tema. Na prática, deu guarida ao auxiliar. Já o ministro Luiz Ramos (Secretaria de Governo) disse que aquela era uma maldade contra Wajngarten. Ninguém explicou como um homem público pode ganhar dinheiro de empresas que são pagas com recursos do contribuin­te.

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