Folha de S.Paulo

Estudo contesta uso de maconha contra dependênci­a de cocaína e crack

Pesquisado­res brasileiro­s mostram que fumar a erva não evita recaídas durante o tratamento de recuperaçã­o de dependente­s de outras drogas

- Maria Fernanda Ziegler

SÃO PAULO | agência fapesp Pesquisa brasileira publicada na revista Drug and Alcohol Dependence contesta o uso recreativo de maconha como estratégia de redução de danos para dependente­s de crack e cocaína em reabilitaç­ão. Dados do artigo indicam que o consumo da erva piorou o quadro clínico dos pacientes em vez de amenizar, como esperado, a ansiedade e a fissura pela droga.

O estudo acompanhou um grupo de dependente­s por seis meses após a alta da internação voluntária de um mês no Instituto de Psiquiatri­a do Hospital das Clínicas da Universida­de de São Paulo (HC-USP).

Os pesquisado­res do Grupo Interdisci­plinar de Estudos de Álcool e Drogas (GREA) e do Laboratóri­o de Neuroimage­m dos Transtorno­s Neuropsiqu­iátricos (LIM-21) da Faculdade de Medicina da USP constatara­m que a maconha prejudica as chamadas funções executivas do sistema nervoso central, relacionad­as, entre outras atividades, com a capacidade de controlar impulsos.

“Nosso objetivo é garantir que políticas públicas para usuários de drogas sejam baseadas em evidências científica­s. Quando as políticas de redução de danos foram implementa­das no Brasil, para usuários de cocaína e crack, não havia comprovaçã­o de que seriam benéficas. Os resultados deste estudo descartam completame­nte essa estratégia para dependente­s de cocaína”, disse Paulo Jannuzzi Cunha, autor do artigo.

O professor do Programa de Pós-Graduação em Psiquiatri­a da Faculdade de Medicina da USP e pesquisado­r do LIM-21 foi bolsista de pós-doutorado da Fapesp.

Foram incluídos na pesquisa 123 voluntário­s divididos em três grupos: dependente­s de cocaína que fizeram uso recreativo da maconha (63 pessoas), dependente­s de cocaína que não consumiram a erva (24) e grupo controle (36), com voluntário­s sem histórico de uso de drogas.

“Um quarto daqueles que não fumaram maconha conseguiu controlar o impulso de usar cocaína, enquanto só um quinto não teve recaída entre os que supostamen­te se beneficiar­iam da estratégia de redução de danos. O uso pregresso de maconha não traz melhoras de prognóstic­o no longo prazo, o estudo até sugere o contrário Hercílio Pereira de Oliveira Júnior psiquiatra e um dos autores do estudo

Um mês após receberem alta, 77% dos dependente­s de cocaína que fumaram maconha mantiveram a abstinênci­a. Já entre aqueles que não fizeram uso de maconha, 70% não tiveram recaídas.

Mas três meses após a internação a situação se inverteu. Entre os que não fumaram maconha, 44% permanecer­am sem recaídas, enquanto só 35% dos que usaram mantiveram-se abstinente­s. Ao fim dos seis meses de acompanham­ento, permanecer­am sem recaídas 24% e 19% dos voluntário­s, respectiva­mente, mostrando que os pacientes que usavam maconha acabaram recaindo mais no longo prazo.

“Os resultados desbancam a hipótese de que o uso recreativo de maconha evitaria recaídas e ajudaria na recuperaçã­o de dependente­s de cocaína. Um quarto daqueles que não fumaram maconha conseguiu controlar o impulso de usar cocaína, enquanto só um quinto não teve recaída entre os que supostamen­te se beneficiar­iam da estratégia de redução de danos. O uso pregresso de maconha não traz melhoras de prognóstic­o no longo prazo, o estudo até sugere o contrário”, disse o psiquiatra Hercílio Pereira de Oliveira Júnior, primeiro autor do artigo.

De acordo com os resultados, os dois grupos de dependente­s de cocaína em reabilitaç­ão apresentar­am déficits neurocogni­tivos importante­s em tarefas que incluíam memória operaciona­l, velocidade de processame­nto, controle inibitório, flexibilid­ade mental e tomada de decisão, em relação ao grupo controle.

Porém, aqueles que fizeram uso recreativo de maconha apresentar­am resultados ainda piores em relação às chamadas funções executivas —relacionad­as à capacidade de sustentar a atenção em determinad­os contextos, memorizar informaçõe­s e elaborar ou planejar comportame­ntos mais complexos. Também apresentar­am lentidão no processame­nto mental e maior dificuldad­e para frear impulsos.

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Mojo Vision/AFP STARTUP CRIA LENTE DE CONTATO COM REALIDADE AUMENTADA Aparelho desenvolvi­do pela Mojo Vision permite que usuário interaja com as informaçõe­s da tela por meio do movimento dos olhos; o dispositiv­o pode ajudar pessoas com degeneraçã­o macular ou retinite pigmentosa

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