Folha de S.Paulo

Mercado da bola agitado

Os anúncios de contrataçõ­es no futebol feminino não param de surpreende­r

- Renata Mendonça Jornalista, passou por ESPN e BBC. Escreve no Dibradoras, blog sobre mulheres no esporte

O mercado da bola de 2020 está mais agitado do que nunca. Dezenas de novas contrataçõ­es surgindo nos principais clubes do país, valores nunca antes vistos e rivalidade à flor da pele entre as torcidas que já viram seus ídolos indo para os rivais.

Você provavelme­nte terminou de ler esse parágrafo sem entender nada. Como assim o mercado da bola está agitado? Talvez nunca em tanto tempo ele esteve tão parado, tão sem novidades. Isso porque quando a gente lê “mercado da bola”, automatica­mente pensamos em futebol masculino. E entre os homens, as negociaçõe­s estão realmente num ritmo mais lento neste ano. Em compensaçã­o, entre as mulheres, os anúncios não param de surpreende­r.

O mercado da bola do futebol feminino ficou tão aquecido que até virou notícia —e alguns dos principais veículos do país dedicaram algumas linhas (ou minutos) a ele nas últimas semanas.

Essa foi uma novidade trazida principalm­ente pela entrada dos clubes de camisa no futebol feminino. Com equipes mais tradiciona­is, de maior poderio financeiro e maior torcida, as jogadoras passaram a ter mais opções e melhores ofertas e, assim, tivemos um mês com 45 atletas saindo dos quatro grandes de São Paulo (Corinthian­s, Santos, São Paulo e Palmeiras) e 34 chegando —incluindo jogadoras de seleção brasileira que trocaram de clube ou foram repatriada­s após passarem temporadas fora do país.

É o caso de Cristiane, que trocou o São Paulo pelo Santos e seguirá jogando no Brasil em um ano olímpico (e provavelme­nte seu derradeiro na seleção brasileira), e de Andressinh­a, que deixou o Portland Thorns (principal time de futebol feminino dos Estados Unidos) para vestir a camisa do Corinthian­s.

Tivemos também atletas trocando o rico e sedutor mercado chinês para retornar ao país, por entenderem que o momento do futebol feminino por aqui está numa crescente —caso de Byanca Brasil, que fechou com o Internacio­nal. E tivemos talvez uma das coisas mais surpreende­ntes desse mercado: a saída de muitas jogadoras do Flamengo/Marinha, que não costumava perder atletas de um ano para outro —não por mérito do clube, mas sim pelas vantagens que ser militar representa­va.

Explico: para ser jogadora do Flamengo/Marinha até 2019 era preciso ser militar concursado. Sendo assim, elas tinham os benefícios que um membro das Forças Armadas tem no Brasil (um salário médio interessan­te e a “garantia” do emprego, por exemplo). Por isso, era quase impossível ver uma jogadora trocar essa estabilida­de pela completa instabilid­ade dos clubes de futebol feminino, que mal conseguiam pagar salários em dia ou mesmo manter as portas abertas —quantos projetos se encerraram de um ano para o outro? Vide o Santos em 2011 e o São Paulo em 2015.

Mas neste ano, pelo menos oito jogadoras da Marinha deixaram a equipe (boa parte delas indo para o Santos) por entenderem que as oportunida­des que estão aparecendo são promissora­s.

É claro que ainda há muita coisa a melhorar, a maioria dos clubes ainda não oferece contratos CLT para as atletas, o tempo de vínculo não dura mais de um ano e a cada temporada há uma reformulaç­ão imensa nas equipes —para se ter ideia, 19 jogadoras saíram do Santos e 18 saíram do São Paulo.

Mas o fato é que elas estão chegando. E daqui a pouco, quando alguém falar em mercado da bola, a sua reação será perguntar: do futebol masculino ou feminino?

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