Folha de S.Paulo

Ronan Farrow escreve livro sobre os complôs para blindar Weinstein

Em ‘Operação Abafa’, filho de Woody Allen narra bastidores de reportagem que revelou casos de estupro e assédio

- Úrsula Passos

são paulo Um dos maiores produtores de Hollywood acossava, assediava e estuprava mulheres. Quase todos ao seu redor sabiam. Algumas vítimas tentaram denunciá-lo e jornalista­s, ir atrás do caso, mas foram silenciado­s. Em outubro de 2017, duas reportagen­s foram publicadas sobre os abusos de Harvey Weinstein.

Ronan Farrow, da revista The New Yorker, e Jodi Kantor e Megan Twohey, do The New York Times, dividiram mais tarde o prêmio Pulitzer por jogar luz sobre o maior escândalo sexual da indústria cinematogr­áfica. As séries de artigos ajudaram a fazer deslanchar o movimento MeToo.

Os bastidores da apuração, e dos obstáculos encontrado­s por Farrow, são narrados no livro “Operação Abafa”, que a Todavia lança agora no Brasil, e em podcast disponível nas plataforma­s de streaming. A história envolve de detetives pagos por Weinstein para seguir o jornalista e implantar fontes falsas a uma série de ameaças veladas que levaram Farrow a alugar um cofre no porão de um banco onde depositava gravações, contatos de fontes e anotações da apuração com um bilhete: caso algo aconteça comigo, faça essa história ser publicada.

“É de se esperar, quando se entra numa cobertura que incomoda interesses muito poderosos, encontrar esquemas que vão protegê-los”, diz Farrow, em entrevista por telefone. “O que eu não esperava é que pessoas próximas, que supostamen­te deveriam proteger e respeitar meu trabalho, fossem se tornar parte desse esquema que encobre crimes.”

Farrow, que é filho de Mia Farrow e Woody Allen, trabalhava para o canal NBC quando começou a apuração. Porém, ao longo do trabalho e conforme apresentav­a o que havia conseguido a seus superiores, empecilhos iam sendo impostos. Embora houvesse levantado uma lista expressiva de vítimas de Weinstein, conseguido relatos publicávei­s de algumas delas e um áudio no qual o produtor pressionav­a uma modelo, seus chefes continuava­m dizendo que não era o suficiente para que a reportagem fosse ao ar.

“O livro és o breco moa mídia, que deveria estar comprometi dacoma verdade, acaba se tornando íntima do poder, e isso inclui meus chefes na NBC News”, diz.

“Para o bem da democracia, jornalista­s devem ser independen­tes e não entrar em acordo com os interesses dos poderosos. A lição é que todos nós no jornalismo mantenhamo­s nossas casas limpas. Oque vimos nos casos da CBS e da N BC[ ambas emissoras tinham casos de assédio e abuso envolvendo chefes] é que as empresas fizeram acordos de silêncio para se livrarem do problema em vez de enfrentá-los e isso acabava protegendo abusadores.”

Após revelados os casos de abuso em Hollywood e na mídia, que também incluem o da Fox News, alguns estados americanos criaram leis que proíbem termos de confidenci­alidade em acordos de casos de abuso e de assédio sexual, mecanismo usado por Harvey Weinstein para evitar que suas vítimas falassem publicamen­te sobre os crimes.

As jornalista­s do New York Times, por sua vez, tiveram apoio total do jornal, como fica claro em “Ela Disse”, livro em que narram os bastidores de suas reportagen­s eque chegou ao Brasil pela Companhia das Letras no fim do ano passado. Os três sabiam que estavam atrás da mesma história.

“Brinco que elas [Kantor e Twohey] me ensinaram a digitar mais rápido”, diz Farrow. “Saber que haviam outros jornalista­s nessa história após meus chefes na NBC dizerem que ninguém se importaria com ela me fez me sentir menos sozinho.” Farrow acabou levando sua reportagem à revista New Yorker.

Em ambos os livros, porém, é possível ver como homens, e até mulheres, poderosos se protegem, e como personagen­s que construíra­m suas imagens como liberais democratas apoiadores de caus associais lutam com os mais sujos meios para se manterem no poder.

Weinstein chegou a acusar Farrow de parcialida­de nocas o, dizendo aseu editor que o jornalista buscava indiretame­nte se vingar do pai, pois o produtor havia distribuíd­o os filmes de Allen. Embora Farrow mencione por diversas vezes sua família no livro, seu agente previament­e avisou à reportagem que perguntas sobre família e Woody Allen não seriam aceitas na entrevista.

Em 2016, o caso em que Dylan, irmã mais velha de Ronan Farrow, acusa o pai de ter abusado dela quando tinha sete anos voltou à baila após a Hollywood Reporter publicar um extenso perfil do cineasta e Dylan apontar o apagamento do estupro, apoiada pelo irmão.

Woody Allen teria levado afilha a oporão de sua casa e enfiado os dedos dentro de sua vagina. Tudo isso está em “Operação Abafa ”, além de conversas que o repórter tem coma mãe e pedidos de ajuda de como lidar com as fontes vítimas de abuso que pede à irmã.

“Sempre fui muito cético quanto a Hollywood, porque cresci próximo a ela”, foi o mais perto que Farrow chegou do assunto na entrevista. “Essa indústria não é diferente de nenhuma outra, com o mesmo abuso de poder que acontece em todo tipo de empresa. Sempre põem o lucro acima da proteção dos empregados.”

Operação Abafa Ronan Farrow. Trad.: Ana Ban, Fernanda Abreu e Juliana Cunha. Ed. Todavia. R$ 59,90 (464 págs.); ebook R$ 39,90

 ?? Jeenah Moon/The New York Times ?? O produtor Harvey Weinstein
Jeenah Moon/The New York Times O produtor Harvey Weinstein

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