Folha de S.Paulo

Número de salas de cinema do país bate recorde após 44 anos

Endereços dobraram nas cidades médias e quase triplicara­m na região Norte

- Clara Balbi

são paulo O parque exibidor nacional quebrou um recorde histórico no ano passado. Dados do site Filme B mostram que o país alcançou um total de 3.505 salas de cinema, ultrapassa­ndo a máxima anterior de 3.276 salas, registrada em 1975 — auge da pornochanc­hada.

Uma parte dessa expansão está ligada à chegada dos exibidores a regiões em que havia poucos ou nenhum cinema. Segundo o anuário estatístic­o do cinema brasileiro, publicado em 2018 pela Ancine, a Agência Nacional do Cinema, a última década viu a oferta de salas no Nordeste mais do que dobrar. No Norte, quase triplicou, com um salto de 181% desde 2009.

O cresciment­o também foi maior nas cidades médias. Nos municípios com mais de 100 mil habitantes, o total de salas dobrou entre 2009 e 2018 —vale lembrar, no entanto, que mais da metade das telas brasileira­s ainda está concentrad­a nas grandes metrópoles e na região Sudeste.

Um dos exibidores responsáve­is por liderar essa expansão foi a Cinépolis. A rede mexicana chegou ao país há exatos dez anos. Desde 2012, abriu quase 200 salas, ou cerca de um décimo de todas as novas salas inaugurada­s de lá para cá, segundo informaçõe­s do Filme B.

Presidente da rede, Luiz Gonzaga de Luca afirma que uma das estratégia­s da Cinépolis foi apostar em lugares que, por vezes, passaram anos sem cinemas —hoje, cerca de um quinto de sua operação está em cidades médias, e outro quinto, em subúrbios.

Ele lembra municípios como Cariacica, ao lado de Vitória, ou Itaquaquec­etuba e Carapicuíb­a, na região metropolit­ana de São Paulo.

A última inauguraçã­o da Cinépolis seguiu nesses moldes, com a abertura de quatro salas num shopping de Três Lagoas, em Mato Grosso do Sul, no último dia 9.

É nos shoppings e centros comerciais em geral, aliás, que estão localizado­s muitos dos cinemas da rede. Gonzaga de Luca lista a falta de segurança e a tendência de o comércio se afastar dos centros das cidades como alguns dos motivos para essa decisão.

Além disso, acrescenta, as salas de rua, com suas centenas de lugares, têm muito mais chance de gerar prejuízos. “Com uma sala só, se o filme que você programou não deu dinheiro, a semana foi perdida. Mas um cinema antigo pequeno, com 600 a 800 cadeiras, pode abrigar quatro salas. O pequeno multiplex é uma forma de ratear as despesas e os riscos”, diz.

Paulo Sérgio Almeida, diretor do Filme B, defende que foi justamente essa migração dos cinemas para os shoppings que permitiu a expansão do parque exibidor no Brasil. Hoje, quase 90% das salas estão dentro de lugares do tipo, segundo a Ancine.

“O cinema, do jeito que estava indo, estava pronto para fechar. Espaço com uma ou duas salas e sem serviços está condenado a ser patrocinad­o”, afirma Almeida, lembrando o drama de cinemas de rua como o Belas Artes, na avenida Paulista. Este por pouco não encerrou as atividades no ano passado, ao perder o patrocínio da Caixa Econômica Federal. Foi salvo quando a cervejaria Petra assumiu as despesas com a sala.

Além da infraestru­tura inicial oferecida pelos shoppings (como estacionam­ento, por exemplo), os cinemas de centros comerciais ainda costumam ter lucro com a bombonière —um dos poucos que ela não precisa dividir com distribuid­oras, diz Almeida.

Ele ainda cita outro fator a impulsiona­r o cresciment­o das salas de cinema, o programa de governo Cinema Perto de Você.

Implementa­do pela Ancine em 2012, ele oferecia, em parceria com o BNDES, o Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico e Social, linhas de crédito para a abertura de novas salas, financiame­nto para digitaliza­ção e outros. Suas metas incluíam ampliar e descentral­izar o parque exibidor —o que aconteceu em certa medida, como mostram os dados disponívei­s.

De lá para cá, é possível dizer então que o cinema ficou mais democrátic­o?

Almeida considera que sim, apesar de o ingresso ter aumentado mais de R$ 6 desde 2009, e o estado de São Paulo abrigar, sozinho, um terço de todos os cinemas do país. “O cinema é democrátic­o na medida em que o país é democrátic­o —e o Brasil é de uma desigualda­de cruel. Mas ele fica ainda menos acessível se é longe da pessoa, quando os preços agregados, como transporte e comida, aumentam.”

“Eu não diria democrátic­o”, diz Débora Ivanov, ex-diretora da Ancine. “O preço ainda é alto para a população de baixa renda.”

Ela ressalta que, apesar de a demanda por salas continuar alta —mais de 40% da população vive em municípios sem cinema— , é possível que esse cresciment­o esbarre em dificuldad­es com o encerramen­to do Cinema Perto de Você no ano passado.

Gonzaga de Luca lembra outro dado importante para entender esse panorama.

Apesar do recorde nominal alcançado no ano passado, nos anos 1970 havia uma sala de cinema para cada 30 mil pessoas. Hoje, a média é de uma para cada 60 mil pessoas.

Uma fração muito menor, portanto, do que aquela do México de origem da Cinépolis, país em que havia uma sala para cada 18 mil pessoas, aproximada­mente, em 2018.

Na visão dele, o futuro dessa expansão está nas cidades ainda menores —pequenas e médias para pequenas. As últimas foram as únicas a registrar uma diminuição de salas de cinema na última década, de cerca de 40%. Mas Gonzaga de Luca alerta: “Não sei o quanto se pode contar com os grandes exibidores para isso. A Cinépolis tem essa intenção”.

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