Folha de S.Paulo

Abstinênci­a sexual não deve vingar, afirmam jovens

Mesmo adolescent­es que querem esperar duvidam de eficácia da medida; especialis­tas defendem educação

- Júlia Zaremba

A Folha ouviu oito jovens de São Paulo com até 18 anos, de diferentes locais e classes sociais, para saber o que pensam sobre a política de abstinênci­a sexual proposta pela ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves.

são paulo “Perigoso”, “errado”, “sensaciona­l”. Os adjetivos escolhidos por adolescent­es para descrever a política de abstinênci­a sexual proposta pela ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, para enfrentar a gravidez precoce e DSTs (doenças sexualment­e transmissí­veis) variam.

Mas têm uma coisa em comum: reconhecem que a chance de não vingar é grande e que investir em educação é crucial. A Folha ouviu oito jovens de São Paulo com até 18 anos, de diferentes locais e classes sociais, para saber o que pensam da medida

De acordo com a pasta, a política focada nos benefícios da iniciação sexual tardia está em formulação e será complement­ar a políticas de estímulo a métodos contracept­ivos. Descrevem a abstinênci­a como o único método 100% eficaz para evitar a gravidez indesejada. Ainda não há previsão de quanto será gasto.

O projeto vai ao encontro do que é defendido por movimentos como o Eu Escolhi Esperar (que prega a vida sexual após o casamento). Para especialis­tas, a política segue caminho errado e investir em educação seria mais eficaz.

O psiquiatra Jairo Bouer, que trabalha há cerca de 30 anos com adolescent­es, classifica a iniciativa como inócua e irresponsá­vel. “Ninguém consegue impor abstinênci­a ao outro. As pessoas decidem iniciar a vida sexual quando têm desejo e quando estão preparadas”, diz.

O médico diz que a medida pode vulnerabil­izar jovens, que não terão informação e suporte para ter vida sexual independen­te e saudável: “A sexualidad­e pode se tornar um tabu a mais.”

É na adolescênc­ia que os hormônios sexuais começam a ser produzidos, o que leva os jovens a direcionar­em a libido a uma outra pessoa, diz Carmita Abdo, coordenado­ra do ProSex (Programa de Estudos em Sexualidad­e) do Hospital das Clínicas da USP.

A especialis­ta acha que a medida é impraticáv­el. “A ideia pode ser adotada por quem já tiver predisposi­ção a isso, que se sentirá referendad­o e apoiado. Mas não pelos outros”, diz.

A melhor solução, afirma Abdo, seria investir em uma educação sexual contextual­izada, que não contemple apenas o ponto de vista biológico mas também comportame­ntal, ético e de futuro.

Afinal, são muitos fatores que levam a uma gravidez precoce, não apenas a falta de informação sobre preservati­vos; eles vão desde o desejo de ser mãe até sexo sob efeito de álcool e drogas.

Pesquisa feita pelo Prosex mostrou que os adolescent­es iniciam a atividade sexual no país dos 13 aos 17 anos, com maior incidência aos 15 anos.

Segundo dados preliminar­es do Ministério da Saúde, os casos de gravidez na adolescênc­ia caíram 39% de 2000 a 2018. O número, porém, segue alto: segundo a ONU, 62 em 1.000 jovens de 15 a 19 anos são gestantes. No mundo, a média é de 44 por 1.000.

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Zanone Fraissat/ Folhapress As amigas Stéphanie Freitter, 18, e Tamires Bonaldi, 17; elas dizem que o incentivo à abstinênci­a não é política eficaz

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