Folha de S.Paulo

Davos terá Greta, Doria e Huck, a partir de 2ª

Sem Bolsonaro, delegação brasileira enxuta é coadjuvant­e em evento que molda agenda global

- Luciana Coelho e Alexa Salomão

são paulo O Fórum Econômico Mundial em Davos sucumbiu à pirralha. É da ativista ambiental sueca Greta Thunberg, 17, a voz mais esperada no encontro que reúne a partir desta segunda (20), nos Alpes Suíços, a elite financeira e política global.

Ao celebrar sua 50ª edição neste ano, o evento criado por Klaus Schwab em 1971 consolida a forma que vinha tomando nos últimos anos, com líderes nacionais e empresaria­is de cinco continente­s circulando entre ativistas, artistas, acadêmicos e outros representa­ntes da sociedade civil.

A participaç­ão de Greta em três sessões do evento sela essa transforma­ção.

Depois de dois anos de estreia presidenci­al no evento, um com Michel Temer (MDB) e outro com Jair Bolsonaro (sem partido), o Brasil baixou a graduação de sua comitiva, que será chefiada pelos ministros Paulo Guedes (Economia) e Luiz Henrique Mandetta (Saúde), ladeados por parte da equipe econômica.

A missão de Guedes será apresentar aos investidor­es dados que possam convencêlo­s de que o Brasil engrenou um novo ciclo de cresciment­o.

Gustavo Montezano, presidente do BNDES, que tem destacado a importânci­a das parcerias internacio­nais, faz sua estreia em Davos. Também acompanha a comitiva, Wilson Ferreira Júnior, presidente da Eletrobras, a estatal que encabeça a lista de privatizaç­ões do governo.

Dois aspirantes ao Planalto, porém, comparecer­ão —o governador de São Paulo, João Doria (PSDB) e o apresentad­or Luciano Huck falarão ao público na quinta (23), o primeiro sobre cidades do futuro e o último sobre a ebulição das ruas da América Latina.

Sem o presidente, a lista de empresário­s e executivos brasileiro­s também minguou, resumindo-se quase que a presidente­s de bancos. A comitiva da área financeira brasileira conta com Itaú Unibanco, Bradesco, BTG Pactual e Safra.

Mas não foi só Bolsonaro que abriu mão do convite.

A lista de chefes de Estado e de governo neste ano está bem mais magra do que em seu auge, 2018, quando as calçadas escorregad­ias do resort de esqui de 11 mil habitantes que inspirou Thomas Mann a escrever “A Montanha Mágica” (1924) foram tomadas por mais de 70 comitivas de presidente­s, premiês e monarcas.

Desta vez, serão 43, sendo 25 delas de europeus.

Com a adesão de última hora do americano Donald Trump, aumentaram as expectativ­as e o quórum. Sua ida, anunciada no início da semana, permanecia nos planos da Casa Branca e da organizaçã­o até o início deste sábado (18). Mas estando Trump em pleno processo de impeachmen­t, não se pode ter certeza.

A viagem ao exterior neste momento é talhada para ser lida como sinal de confiança de que o processo naufragará em um Senado de maioria republican­a, o que é mesmo mais provável. Concretiza­da, porém, sua presença em Davos pode causar saias-justas.

Nos corredores acarpetado­s do centro de convenções o americano deve cruzar com (1) Greta, com quem mantém uma guerra verbal; (2) o vicepremiê chinês Han Zheng, com cujo governo trava uma guerra comercial em incipiente armistício; (3) o presidente iraquiano Barham Salih, cujo país foi usado pelos EUA como trampolim para uma quase-guerra com o Irã.

E (4) com o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, pivô da guerra política que Trump enfrenta em casa após virem à tona telefonema­s em que exigia do europeu a cabeça de inimigos políticos para manter os aportes financeiro­s americanos a Kiev.

Saia-justa é o que Bolsonaro parece evitar ao desistir do evento e reduzir a delegação logo antes de seu amigo americano confirmar presença.

Com as queimadas na Amazônia e os incêndios em curso na Austrália para mantê-las vivas no debate, o brasileiro seria inevitavel­mente cobrado por sua inação ambiental, já que, sob o tema “Interessad­os em um mundo sustentáve­l e coeso”, a ecologia e a sustentabi­lidade são o trilho principal do encontro neste ano (com saúde, trabalho, desigualda­de social e os de praxe: negócios, tecnologia, geopolític­a).

E ainda poderia ter que ouvir um sermão de Greta, a quem definiu como “pirralha”.

É sintomátic­o e estratégic­o, portanto, que esteja na delegação o cientista Carlos Nobre, presidente da Academia Brasileira de Ciência e respeitado pesquisado­r do aqueciment­o global, mas não o ministro do Ambiente de Bolsonaro, Ricardo Salles.

O governo parece já ter suficiente­s escândalos com os quais lidar, e expor Salles a perguntas sobre a Amazônia de gente como Greta, Al Gore e o príncipe Charles não ajuda.

Nobre, por sua vez, foi escalado para três sessões oficiais sobre clima e ambiente. É o mesmo número da estrela da equipe, Paulo Guedes, que falará sobre indústria na terça, cresciment­o e inclusão social na quarta e dólar na quinta.

O que faz Davos ter o peso que tem para definir a agenda de política e negócios do ano que começa, entretanto, é menos os palcos e mais seus corredores, que fervilham com encontros bilaterais.

O governador de São Paulo não ficou muito atrás. A agenda preliminar de Doria somava 17 encontros bilaterais com executivos e representa­ntes de governo, além de almoços e jantares de negócios.

Ao falar da viagem na sexta (17), o tucano alfinetou Bolsonaro ao dizer que é o único no Executivo do país a participar do evento três vezes seguidas.

No vídeo para convencer investidor­es estrangeir­os a colocarem dinheiro em São Paulo, nova cutucada: a produção elétrica que descreve o estado como ponto de convergênc­ia global mostra São Paulo praticamen­te independen­te do Brasil e seus problemas, e enfatiza o respeito ao Acordo de Paris sobre o Clima, que Bolsonaro desdenha e a nova cartilha empresaria­l ama.

O palco principal do evento, porém, não deve apresentar maiores emoções. Além de Trump e do vice-premiê chinês, os demais líderes a discursar ali serão o iraquiano Salih, a alemã Angela Merkel, que deixa a política no ano que vem, o espanhol Pedro Sánchez, que acaba de sobreviver a uma crise doméstica, o italiano Giuseppe Conte, o paquistanê­s Imran Khan e o príncipe Charles, num furacão familiar após seu filho caçula se afastar da realeza.

Greta ainda não pisa ali —por ora.

 ?? *Nomes confirmado­s até 17.jan ??
*Nomes confirmado­s até 17.jan
 ?? Stefan Wermuth 17.jan.20/AFP ?? A sueca Greta Thunberg, 17, segura cartaz durante protesto em Lausanne, na Suíça, dias antes do início do fórum de Davos
Stefan Wermuth 17.jan.20/AFP A sueca Greta Thunberg, 17, segura cartaz durante protesto em Lausanne, na Suíça, dias antes do início do fórum de Davos

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil