Folha de S.Paulo

‘Foi uma covardia’

Destaque do funk, DJ nega acusações de associação para o tráfico de drogas e diz que cadeia é ‘igual Las Vegas: o que acontece lá, fica lá’

- Bruno B. Soraggi

Solto após decisão sobre 2ª instância, DJ Rennan da Penha diz que foi preso à toa

“Quer dizer que eu sou bandido porque apertei a mão de um bandido na comunidade? É isso que eles querem dizer, né?”, questiona o DJ carioca Rennan da Penha, 26, referindo-se a um vídeo no qual ele é visto cumpriment­ando traficante­s do Complexo da Penha, na zona norte do Rio.

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“Então quem apertou a mão do Sérgio Cabral também é bandido, parceiro. Quem apertou a mão do [Luiz Fernando] Pezão é bandido. Por que não prende geral?”, diz ele, citando dois ex-governador­es que foram presos pela Lava Jato.

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Referência no funk acelerado conhecido por 150 BPM (batidas por minuto) e criador do Baile da Gaiola, que reunia dezenas de milhares de pessoas (como o ex-jogador Adriano) na favela Vila Cruzeiro, Rennan é acusado pelo Ministério Público de associação para o tráfico de drogas como “olheiro” (quem informa os traficante­s da chegada da polícia) e de produzir “músicas enaltecend­o o tráfico de drogas”.

O processo já o levou para a cadeia duas vezes. Na primeira, em 2016, ele ficou foragido depois de ter o mandado de prisão emitido. “Falei: ‘Não sou bandido, não vou me entregar’. Meu filho tinha quatro meses, eu tinha que sustentar ele. Fui fazer shows”, conta. Até que um dia policiais o prenderam na porta de um baile no qual tocaria. Ficou detido por seis meses até ser inocentado em primeira instância por falta de provas.

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A sua segunda passagem pelo cárcere foi em 2019, quando o Tribunal de Justiça do Rio acatou recurso da promotoria, sentencian­do-o a 6 anos e 8 meses em regime fechado. “Aí eu tive que me entregar. Não tinha como, com a cara estampada em tudo quanto é lugar, ficar foragido”, afirma. Ele permaneceu detido de abril a novembro do ano passado e foi liberado em razão da nova decisão do STF que barrou prisões após segunda instância.

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Na época, uma mobilizaçã­o fez da hashtag #RennandaPe­nhaLivre um dos assuntos mais comentados no Twitter.

“Sofri uma covardia e estou de mãos atadas, tá ligado?”, diz o DJ sobre a prisão. “Fui absolvido, minha vida tava andando. Consegui comprar uma casa com o funk. Fui pro Egito [de férias] com o dinheiro do funk”, lembra. “Aí fui preso de novo? Porra, é a maior loucura. Não há corpo que aguente.”

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“Maior estresse”, diz ele, que passava dias com a cara “fechada que nem cadeado, boladão com a vida” e, para se manter são, “desenhava e ouvia música”. “Não sei como não entrei numa depressão e fiquei meio biro-biro da cabeça. Às vezes dou o meu surto, falo sozinho [risos]. Vou até [começar a ir] num psicólogo.”

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“Sabe o que eu ficava puto? Que os caras [detentos] falavam: ‘Ah, para, pô! Eu tomei foi 40 anos [de pena]! Tu tomou seis, daqui a pouco tá indo embora!’ Eu falei: ‘Você tomou 40 anos porque fez merda! Eu tomei seis e não fiz porra nenhuma!”

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“Mas vou fazer o quê? Ir lá no Ministério Público falar: ‘Pessoal, fui preso à toa!’? Não vai dar nada. Vou ter que levar esse fardo pelo resto da vida.”

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Rennan não entra em detalhes sobre a vida na prisão. “O que acontece lá, fica lá, igual Las Vegas. Várias coisas acontecera­m que têm que ficar em off. Não sei o dia de amanhã, né?”

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Mas ele está esperanços­o de que será absolvido na próxima instância. “Não tem prova contra mim!”, diz. O DJ afirma que não tem envolvimen­to com o tráfico de drogas e rebate todas as acusações.

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Como elementos para condená-lo, a denúncia elenca uma foto na qual ele porta um suposto fuzil, uma mensagem postada em rede social na qual informa a presença de um blindado da Polícia Militar na favela e o vídeo no qual cumpriment­a traficante­s.

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A arma na foto, diz ele, era feita de papelão e fita isolante para uma fantasia de Carnaval. Sobre a mensagem na internet, ele diz ser algo comum entre moradores de comunidade­s. “Se eu fosse avisar alguém, você acha que eu ia postar no Facebook pra todo mundo ver? Não tem lógica!”

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Em relação ao vídeo, ele diz: “Querendo ou não, primos meus entraram pra vida do crime. Você acaba conhecendo outros bandidos. Não tem como falar que não conhece bandidosev­ocêmoranaf­avela”.

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“Não nasci em Copacabana, em que não se vê um cara passar armado na minha frente”, afirma. “Aquele que eu abraço [no vídeo], era aniversári­o dele. Estudou comigo. Não vou falar com o cara? Vou virar a cara pra ele?, questiona. “Vou passar pelo cara que tá com um fuzil antiaéreo assim [imita um gesto como se estivesse ignorando uma pessoa]?”

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Rennan interrompe para cumpriment­ar quatro pessoas que chegam à casa em que ele conversa com a coluna, na terça (14), em um condomínio de luxo em Recreio dos Bandeirant­es, zona oeste do Rio. É lá que ele vive com a namorada, Lorenna Vieira, 20, desde que deixou o presídio de Bangu 2, no fim do ano passado. Ela foi pedida em casamento no palco do show que Rennan apresentou horas depois.

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“Eles estavam presos comigo. São lá do Uruguai, torcedores do Peñarol. Se envolveram em uma briga de torcida aqui [na partida contra o Flamengo, em abril, pela Libertador­es]. Ajudei bastante. A comida que eu comprava, dividia com eles.”

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A casa estava movimentad­a. Familiares, amigos e gente da equipe de Rennan estavam hospedados ali para assistir ao show que Rennan faria para a gravação do seu DVD “Segue o Baile” dali a poucas horas. Um Audi TT vermelho estacionad­o em frente ao portão do imóvel chamava a atenção. “Um amigo deixou para eu fazer um test drive. Estou dando uma brincadinh­a. Não é meu ainda, não”, diz ele. “Eu tenho um carrinho mais ou menos”, diz, referindo-se ao seu Honda Civic, parado em uma vaga mais distante.

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“Estou meio surpreso com as coisas que estão acontecend­o. Tudo tão rápido, fico meio tonto”, diz o jovem criado no Complexo da Penha que recentemen­te assinou um contrato com a Sony Music e fará participaç­ões em duas novelas da Globo.

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Rennan estudou até a 8ª série. “Eu queria ser arquiteto primeiro. Não tive chance. Comecei a me apaixonar por cinema. Queria ser diretor. Não tinha como. Aí fui para um baile de favela, no início dos anos 2000. Gostava de hip hop, vi um DJ tocar, comecei a gostar. Foi assim que eu entrei pro mundo do funk.”

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“Nesse país aqui ninguém dá oportunida­de pra nada não, cara. Maior sorte que eu venci na vida. Nem esperava isso. Nunca achei que ia sair da favela”, diz. “Meu pai não me colocou em escola boa. Isso não é desculpa pra não querer aprender, mas ele não se importava com isso de ter que ir pra escola’”, diz. “A educação boa que eu tive foi de música.”

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O pai de Rennan é metalúrgic­o. Sua mãe, dona de casa. “Ele gosta muito de música internacio­nal, ouve de tudo um pouco. E, assim: se você crescer ouvindo pagode, acho que vai gostar de pagode, né? Se você cresce ouvindo James Brown, Michael Jackson, Stevie Wonder… Aí vai gostando. Meu pai quase não botava música brasileira para eu ouvir. Às vezes eu acho que nem era para eu ter nascido aqui, de tanta música internacio­nal que ouço.”

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Ele gosta de canções dos anos 1980. “Cyndi Lauper, Phil Collins… Essas coisas, tá ligado?”, diz. “Música brasileira que eu mais ouço é Tim Maia, Kid Abelha”, conta. De mais atual, ele escuta Vitor Kley, Anavitória e Melim.

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“Não suporto escutar funk em casa. Não tem como”, diz Rennan. “Não tem graça. Eu trabalho com funk. Mas, pô, pra ouvir em casa não dá. Nem arrumando casa eu consigo. Só em baile mesmo. Lá vou ver a mulher dançar, entendeu? Aqui eu vou ouvir uma música mais consciente, para eu parar e raciocinar sobre a minha vida.”

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Ele diz não ter votado em ninguém nas últimas eleições. “Eu ia votar no Cabo Daciolo. Sou fã dele. Mas eu estava em São Paulo e tinha esquecido o meu título”, conta.

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Rennan se mudou para o Recreio em busca de segurança. “Tenho que dar o melhor para o meu filho. Semana sim, semana não, vem notícia de que estão dando tiro lá [na comunidade]”, diz. “Melhor pra mim é eu aqui, dando o melhor para o meu filho, mas dando os pulos lá. Porque, porra, não consigo ficar longe de lá [favela]. Minha vida é lá. Vinte minutos do lado dos meus amigos e eu rio como se tivesse rindo um mês. Meu corpo está aqui, mas a minha mente está lá. Não vou deixar de ir lá na favela por nada.”

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“Não vou mentir, não: Natal e Ano Novo eu tava meio que em depressão aqui, mano. Porque eu não fui pra favela”, conta.

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“O que eu mais pedi foi pra estar o Natal na rua [fora da prisão]. Mas queria estar no morro, curtindo o meu baile, à vontade. Mas nem lá no morro eu posso. Porque eu vou chegar para um bandido no microfone e falar: ‘Abaixa o fuzil’? Tem como? Eu mando alguma coisa lá? Eu mando na equipe que tá tocando. Agora, não posso determinar quem vai pro baile. Aí se vou lá curtir, um cara tira foto, eu atrás tocando. E posta: ‘Ah, viu, falei que ele era bandido?’”

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“O lugar que eu mais gosto de tocar é em baile de favela, mas não posso tocar [lá] porque eu preciso ficar me preocupand­o com quem está lá e o que pode acontecer.”

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São 3h30 da manhã e Rennan toca um funk atrás do outro na gravação do DVD. “Pau no cu do mundo!”, diz ele no microfone, levando à euforia as 6.500 pessoas que enchem o Espaço Hall, na zona oeste da capital fluminense.

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E o baile seguiu até o amanhecer, com luzes frenéticas, jatos de ar expelidos do palco, cantoria de MC Livinho, Luísa Sonza e Parangolé, muito rebolado, uísque e energético. “Ô, ô. Ê, ê. Solta putaria nessa porra!”, entoava a plateia de tempos e tempos.

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“Hoje todos os DJs do Rio de Janeiro fizeram história”, diz Rennan, despedindo-se do público. “Não fui só eu. Devo a todos.”

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Zô Guimarães/ Folhapress O DJ carioca Rennan da Penha em frente à casa em que mora, no Rio

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