Folha de S.Paulo

Bolsonaro precisa levantar o tapete

Comissão de Ética deveria dar alegrias, mas tem sido fonte de tristezas

- Elio Gaspari Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles “A Ditadura Encurralad­a”

No próximo dia 28 a Comissão de Ética da Presidênci­a da República tratará do caso do secretário especial de Comunicaçã­o do Planalto, Fabio Wajngarten. Como se sabe, até ser nomeado para o cargo ele dirigia uma empresa que tinha contratos com emissoras de TV e agências de publicidad­e que vendem serviços à Secom. Depois que se desligou funcionalm­ente, foi substituíd­o por pessoa de sua confiança que vem a ser irmão do seu braço direito na Secom. Ele continua dono de 95% das cotas da empresa.

A Comissão de Ética da Presidênci­a tem um passado de tumultos e frangos. Dois de seus presidente­s já se demitiram (Marcílio Marques Moreira, em 2002, e Sepúlveda Pertence, em 2012). Passou por baixo das pernas dos seus doutores a evolução patrimonia­l do comissário Antonio Palocci, e ela conviveu com a escalafobé­tica prática dos ministros que tinham empresas de consultori­a. Em 2011, eram cinco.

Instituiçã­o que deveria dar alegria aos contribuin­tes, a comissão foi fonte de tristezas. Em 2012, a presidente Dilma Rousseff dispensou legalmente 5 do seus 7 integrante­s, e essas cadeiras ficaram vazias por cinco meses. No ano seguinte, a comissão deixou de publicar suas atas. Deu no que deu.

Wajngarten explicou-se na quarta-feira com um forte argumento: “Fui orientado pela SAJ [Subchefia de Assuntos Jurídicos do Planalto], pela AGU [AdvocaciaG­eral da União] e pela CGU [Controlado­ria-Geral da União]” para “que eu saísse do quadro de gestão” da empresa. Esse argumento terá a força de sua documentaç­ão. Se existem uma consulta formal de Wajngarten a qualquer um desses orgãos e uma resposta informando que seu simples afastament­o funcional eliminava qualquer conflito de interesses, será o jogo jogado. Se não existem papéis assinados, o argumento vira pó, entrando no mundo nebuloso das conversas do Planalto, nas quais todo mundo faz o que acha que pode e depois diz que não teve nada a ver com isso.

Como disse o presidente Bolsonaro, “se foi ilegal a gente vê lá na frente”. O que significa “lá na frente”, só ele sabe.

Olhando-se lá pra trás, ao primeiro ano de sua Presidênci­a ele tem um espinho no pé. Em agosto do ano passado, o Fundo Nacional de Desenvolvi­mento da Educação (FNDE) publicou um edital para a compra de 1,3 milhão de computador­es, notebooks e laptops para a rede pública de ensino. Coisa de R$ 3 bilhões, um trocado para um fundo que administra R$ 55 bilhões. A Controlado­ria-Geral da União estudou o edital e, entre outras coisas, descobriu que uma só escola de Itabirito (MG) receberia 30 mil laptops (118 para cada um de seus 255 alunos). Outra, de Santa Bárbara do Tugúrio (MG), receberia cinco laptops para cada estudante. Essa discrepânc­ia repetiase em 355 escolas. O jabuti foi apanhado pela CGU, uma instituiçã­o do Estado, destinada a zelar pelo patrimônio da Viúva. Nada a ver com essa espécie desgraçada dos jornalista­s.

O edital foi revogado em setembro e, desde então, jogouse o jabuti para baixo do tapete. Passaram-se quatro meses e ninguém sabe quem concebeu o tal edital, quem tocou o assunto e quem chegou a justificar suas maluquices.

Isso tudo num caso em que o governo teria do que se orgulhar pela ação da CGU e pela decisão do presidente do FNDE de revogá-lo. um plágio, foi uma identidade conceitual. Não são só os nazistas que pensam em arte “heroica”, mas a frase de Goebbels copiada por Alvim continha uma essência apocalípti­ca comum aos hierarcas do nazismo e do pós-nazismo. Em 1933, o ministro da Propaganda da Alemanha achava que a arte seria “heroica”, “ou então não será nada”.

(E nada foi. Em 1945, Goebbels e sua mulher se suicidaram, depois de matar seus seis filhos de quatro a doze anos. A mais velha teria pressentid­o a execução, reagindo.)

O perigo das concepções pósnazista­s está na retórica apocalípti­ca infiltrada no cotidiano político: as coisas devem ser como eu digo, ou tudo se acaba. Nisso, Alvim foi apenas um desafortun­ado lambari.

Casa de Windsor

A rainha Elizabeth foi rápida no gatilho e cedeu ao desejo dos duques de Sussex de se afastarem da família real. Ela poderia ir adiante, colocando a Casa de Windsor na realidade do século 21.

A senhora ficaria num de seus castelos com os filhos, netos, cavalos e cachorros, administra­ndo suas crises familiares. Enquanto isso, o palácio de Buckingham seria ocupado pelas equipes que fazem as séries “The Crown”, com seu relativo rigor factual, e “Downton Abbey”, com seu toque de classe.

O mundo ficaria mais divertido.

O dilema petista

Lula e os comissário­s petistas estão sendo obrigados a dar nós em pingos d’água. Imaginando-se uma reunião com cinco notáveis, vê-se que dois deles defendem posições ortodoxas, enquanto os outros três preferem alianças e muitas conversas.

O problema está no fato de que os dois ortodoxos têm seguidores capazes de ralar o frio de Curitiba durante o encarceram­ento do chefe.

Ademais, não se lambuzaram nas roubalheir­as.

Bolsonaro e Thaís

Jair Bolsonaro chamou a jornalista Thaís Oyama, autora do livro “Tormenta”, de “essa japonesa que eu não sei o que faz no Brasil”. Ela faz o mesmo que ele: vive no país onde nasceu. Oyama é neta de japoneses e Jair é bisneto de italianos.

Por mais preconceit­os que tenham ofendido os japoneses, foram migalhas se comparados com as ofensas atiradas contra os italianos.

Delas, a mais interessan­te partiu de um ilustre quatrocent­ão ao referir-se a Alfredo Buzaid, ministro da Justiça do presidente Médici.

“Não se pode confiar nos italianos, veja o caso desse Buzaid.”

(Ele descendia de imigrantes do Oriente Médio.)

Estilo

Um sofrido observador das entrevista­s de Jair Bolsonaro acredita que decifrou pelo menos um aspecto do seu estilo:

“Toda vez que ele se destempera e xinga a mãe de quem lhes faz perguntas, é possível que tenha havido algum descontrol­e, mas houve acima de tudo uma reação controlada, cujo objetivo era chamar atenção para o descontrol­e.”

Está no Youtube um vídeo de 15 minutos intitulado “Bolsonaro anda de moto com generais, conversa com apoiadores e encontra policiais - Dia dos Pais”, de agosto do ano passado. Nele, aos 2m14s, pode-se ver como Bolsonaro se comporta ao ouvir algo impertinen­te.”

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Juliana Freire

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