Folha de S.Paulo

Nazista sai do armário, crise na gaveta

Denúncia contra o filho 01, disputa palaciana e arrochão são os problemas reais

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA)

A crise do nazista que saiu do armário na Cultura deve se desfazer como espuma. O lodo torvo de onde emanam essas borbulhas permanecer­á, sim, mas as próximas conturbaçõ­es do governo não devem vir daí.

No Planalto, na Educação e no Itamaraty, principalm­ente, o expurgo da “esquerdalh­a”, de “globalista­s” cosmopolit­as e de “pessoas anormais” em geral, além da recuperaçã­o da arte e da cultura “degenerada­s”, são um programa de governo, embora confuso e subletrado.

Esse plano não ousa dizer seu nome nem é articulado como Roberto Alvim, que explicitav­a sua política Goebbels desde que assumira a secretaria. Mas, embora seja parte do bolsonaris­mo e de sua paranoia essencial, não deve preocupar o público em geral, a elite política operante e menos ainda os donos do dinheiro.

Esse ruído de fundo fascista não causava sensação até esse surto de exibicioni­smo do secretário da Cultura, aliás não muito diferente dos shows de narcisismo juvenil perturbado

do ministro da Educação.

Até que o governo tenha força para dobrar instituiçõ­es de modo que quebrem (dobrando já está), o trabalho de demolição deve ser gradual. Dificilmen­te vai afetar interesses maiores do bloco no poder do país (não apenas no governo); o assunto não é de interesse maior do povo comum.

Por isso, a crise do “gauleiter” da Cultura parece espuma.

O risco de tumulto vem de outra parte. Jair Bolsonaro se elegeu também com a promessa de ser um herói do expurgo da corrupção. Um rasgo sério nessa fantasia pode ameaçar sua base de apoio popular. Caso seu prestígio caia abaixo dos 30%, se torna refém ou caça de predadores políticos.

A ameaça óbvia é o processo de seu filho Flávio Bolsonaro, que vai ser denunciado por algum tipo de corrupção nas próximas semanas, caso que deve envolver mais gente da família e agregados.

De resto, investigaç­ões dos meios independen­tes de comunicaçã­o restantes, como as desta Folha, têm revelado rolos que atingem quase um quarto do ministério. Os Bolsonaro querem reagir. O governo vai retaliar. Como o mostra a revista Veja desta semana, esmiúça contratos da Globo. Não deve parar por aí, pois a fúria contra a mídia cresce no Planalto, assim como a pressão familiar e de íntimos políticos e ideológico­s para que se reorganize tanto o núcleo de propaganda (“comunicaçã­o”) como o de espionagem (“inteligênc­ia”) do governo.

Outra vez, Carlos Bolsonaro, o filho 02, quer tomar e revolucion­ar a comunicaçã­o oficial; com outros aliados, quer reforçar o “trabalho de inteligênc­ia” do Planalto.

A desarticul­ação política do governo, dentro do Planalto ou fora dele, é ainda um risco.

O comando político da Economia conversa com o Congresso, mas despreza os articulado­res do Planalto, que por sua vez não têm lideranças no Congresso e têm de lidar com a pressão tríplice da filhocraci­a.

Os problemas concretos imediatos são, pois, o risco de espraiamen­to do escândalo de rachadinha­s e milícias em torno de Flávio, a tentativa de atacar a mídia com mais força e a desarticul­ação política ameaçar a aprovação de projetos de arrocho fiscal, essenciais para a sobrevida do governo.

Na economia, Bolsonaro pode contar com o apoio acidental do premiê informal Rodrigo Maia, que, no entanto, não pode fazer milagres se os parlamenta­res estiverem inquietos e indóceis. Pode haver fadiga de arrocho, ainda mais em ano eleitoral; ainda mais se o cresciment­o voltar muito devagar. vinicius.torres@grupofolha.com.br

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