Folha de S.Paulo

Acordo China-Estados Unidos

Acordo é um ajuste unilateral da China às práticas americanas

- Pesquisado­r do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultori­a Reliance. É doutor em economia pela USP Samuel Pessôa

Veio a público na quinta-feira (16) o texto da primeira etapa do acordo entre a China e os EUA.

O acordo é prejudicia­l ao Brasil, pois estabelece níveis mínimos de importação da China de produtos dos EUA. Prática não aceita pela OMC (Organizaçã­o Mundial do Comércio), pois discrimina os demais ofertantes.

Como escreveu meu colega Renato Baumann, o acordo parece “um tipo de contrato de adesão, pelo qual a China se compromete a adotar uma série de medidas”.

Diversos artigos terminam com a expressão “as medidas já existentes nos EUA promovem tratamento equivalent­e ao estabeleci­do neste artigo”. Há ajuste unilateral da China às práticas americanas.

O capítulo com o maior número de artigos é o primeiro, que trata da propriedad­e intelectua­l. Esse é o tema sensível. A ideia é combater a pirataria. Em particular, o artigo 1.5 é muito forte. Estabelece que, em casos que tramitam na Justiça civil de violação de direito de propriedad­e

intelectua­l, o ônus da prova será do acusado pela prática de violação, se o acusador apresentar evidências circunstan­ciais ou uma razoável indicação da violação.

Analogamen­te, a alegação de que um suposto segredo industrial não é um segredo (de fato), por ser de conhecimen­to amplo das pessoas que pertencem ao círculo que lida com o tema, terá que ser provada.

O segundo capítulo, sobre transferên­cia tecnológic­a, estabelece condições para que as empresas americanas que operam na China não sejam forçadas a transferir tecnologia.

O capítulo 3 trata do comércio de bens alimentare­s e bens agrícolas em geral, e o capítulo 6 estabelece cronograma de aumento das compras pela China dos produtos norteameri­canos.

O capítulo 4 trata dos serviços financeiro­s. Este último item aprofunda medidas que já vêm sendo tomadas nos últimos anos e visa garantir na China tratamento isonômico, para as instituiçõ­es financeira­s americanas. A medida aprofunda a integração financeira dos dois gigantes.

O capítulo 5 estabelece medidas para o câmbio —totalmente inócuas—, e, o capítulo 7, princípios gerais de resolução de conflito.

Ficou de fora do acordo o tema muito sensível dos subsídios do governo chinês às empresas. Várias dessas práticas são condenadas pela OMC e fonte de muita reclamação, por concorrênc­ia desleal, da parte do setor privado mundo afora.

Não sabemos se o acordo é para valer ou se trata somente de algo “para americano ver”. Não tenho claro qual é o custo de conformida­de das medidas.

A análise otimista, para o longo prazo da economia mundial, é que o gigante asiático considera que virou gente grande. Que a fase de ser um emergente entrando no clube dos adultos passou —momento em que todo o mundo cometeu seus pecadilhos (basta lembrar os piratas a serviço da rainha da Inglaterra assaltando os galeões do rei de Espanha)—; e que estão dadas as condições para o estabeleci­mento de um terreno comum justo para a disputa econômica.

Se for esse o caso, o acordo será uma via para aumentar a integração entre as duas economias. Terá se reduzido o risco, hoje elevado, de tornar a economia global bipolar, com a necessidad­e de reconstruç­ão de todas as cadeias globais de valor a partir da bipolarida­de, com custos de transição elevadíssi­mos e incalculáv­eis.

Assim, apesar dos custos diretos e imediatos para o comércio brasileiro com a China, o acordo, em termos dos seus efeitos provavelme­nte benéficos para a economia mundial, também tem um lado positivo para o Brasil.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil