Folha de S.Paulo

A equação dos estaduais

Não se acredita na viabilidad­e desses torneios sem os clubes grandes

- Paulo Vinicius Coelho Jornalista, autor de “Escola Brasileira de Futebol”, cobriu seis Copas e oito finais de Champions

Dos últimos 8 campeões brasileiro­s, 4 ganharam o estadual no primeiro semestre. Indício de que o mantra “estadual não é parâmetro”, repetido exaustivam­ente na era dos pontos corridos, não se sustenta.

Isso não quer dizer que os primeiros três meses da temporada tenham alta competitiv­idade.

Mas Fluminense (2012), Cruzeiro (2014), Corinthian­s (2017) e Flamengo (2019) indicam ser possível ter pistas, nas competiçõe­s regionais, de quem vai se dar bem em nível nacional e internacio­nal.

Dois dos três últimos times brasileiro­s campeões da Libertador­es venceram o estadual antes, em abril.

O sábado (18) marcou o início da participaç­ão dos grandes no Estadual do Rio, com Macaé contra Flamengo; e Volta Redonda contra Botafogo. Neste domingo (19), o Vasco recebe o Bangu, e o Fluminense enfrenta a Cabofriens­e. Na quarta (22), o Palmeiras visita o Ituano, e o São Paulo recebe o Água Santa, pelo Paulista.

Por mais que tenha se tornado consensual a perda de relevância dos estaduais, é um equívoco dizer que o troféu não tem importânci­a. Ganhar sempre é bom. A análise mais fria e necessária é sobre o impacto técnico e financeiro desses três meses. Corinthian­s, Palmeiras, Santos e São Paulo recebem R$ 25 milhões pelo contrato de TV. No Rio, a conta é de R$ 18 milhões, mas o Flamengo exige R$ 100 milhões por um novo acordo.

O contrapont­o é perder qualidade das partidas. Questionad­o se seu estadual é mais ou menos competitiv­o do que há dez anos, o presidente da Federação do Rio, Rubens Lopes, admitiu: “É menos”.

Perguntado sobre a razão da queda, afirma ter acontecido uma acomodação. “Dos clubes, não das federações”, argumenta.

Há dois anos, o Estadual do Rio terminou com o recorde de público numa partida do primeiro semestre, quinta maior bilheteria do ano, a final Botafogo e Vasco (58 mil pagantes). Aquele campeonato ficou mais marcado por um gandula de Madureira e Fluminense buscando a bola no meio de um matagal, com uma lanterna, no estádio de Xerém, diante de 446 torcedores. Parecia várzea, não profission­alismo.

Em 2019, o jogo com mais espectador­es dos estaduais foi a primeira final do Paulista, São Paulo 0 a 0 Corinthian­s. Houve 19 partidas com mais público no ano. O Paulista tem hoje 33% mais torcedores nos estádios do que tinha em 2016, e no Estadual do Rio subiu 50% de 2018 para 2019.

O futebol sempre tem um especialis­ta defendendo seu ponto de vista, em vez de tentar radiografa­r o problema. Há 20 anos, a discussão sobre os primeiros três meses baseia-se no insano debate “eu gosto” x “eu não gosto”.

Há questões muito mais graves. Número de empregos gerados, quantidade de dinheiro envolvido, perdas e ganhos do ponto de vista técnico. Quando se chega à final do Mundial, é notável que o Flamengo tenha 19 partidas a mais do que o Liverpool no ano e que 17 delas sejam do estadual.

O desafio é expandir os estaduais para os pequenos terem mais jogos e seus jogadores terem emprego o ano todo. Por outro lado, diminuir a obrigação de os grandes enfrentare­m os nanicos. A equação é tão simples quanto inviável, porque a política mantém benefícios de federações e não se acredita na viabilidad­e dos torneios sem os grandes para alavancar os contratos de TV.

Os estaduais tiveram seu pontapé inicial em 3 de maio de 1902, e a televisão só foi inaugurada em 18 de setembro de 1950. O futebol brasileiro não vai quebrar se a televisão falir, por um simples motivo: o futebol já quebrou. Foi por falta de trabalho, não de dinheiro.

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