Justiça rejeita denúncia contra Glenn Greenwald
Juiz cita liminar do STF para negar ação penal, mas diz ver conduta de jornalista de instigar eliminação de mensagens hackeadas da Lava Jato
A Justiça rejeitou denúncia do Ministério Público Federal contra o jornalista Glenn Greenwald, acusado de envolvimento no hackeamento de autoridades da Lava Jato. A decisão vale enquanto vigorar liminar de Gilmar Mendes que impede Glenn de ser investigado.
brasília A Justiça rejeitou, por ora, a denúncia do Ministério Público Federal contra o fundador do site The Intercept Brasil, Glenn Greenwald, que era acusado de envolvimento no hackeamento de mensagens de autoridades como o ministro da Justiça, Sergio Moro, e o procurador da Lava Jato Deltan Dallagnol.
A decisão do juiz Ricardo Augusto Soares Leite, da 10ª Vara da Justiça Federal em Brasília, vale até que se resolva controvérsia a respeito de liminar (decisão provisória) do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes.
Em agosto do ano passado, Gilmar proibiu “as autoridades públicas e seus órgãos de apuração administrativa ou criminal” de “praticar atos que visem à responsabilização” de Glenn “pela recepção, obtenção ou transmissão de informações publicadas em veículos de mídia, ante a proteção do sigilo constitucional da fonte jornalística”.
Com a decisão de Leite, Glenn fica livre ao menos por enquanto de ação penal sobre o caso. Na época, ele havia dito que a denúncia era “uma tentativa óbvia de atacar a imprensa livre em retaliação pelas revelações que relatamos sobre o ministro Moro e o governo Bolsonaro”.
Já os demais denunciados passam agora à condição de réus e terão de responder ao processo pelos crimes a eles atribuídos: organização criminosa, associação criminosa, lavagem de dinheiro, invasão de dispositivo informático alheio e interceptação ilegal.
Trata-se de Walter Delgatti Netto e Thiago Eliezer Martins Santos, que, segundo a acusação, atuavam como líderes do grupo responsável pelo hackeamento; Danilo Cristiano Marques, suposto “testa de ferro” de Delgatti; Gustavo Henrique Elias Santos, que teria desenvolvido técnicas que permitiram a invasão do Telegram; a mulher dele, Suelen Oliveira, acusada de agir como laranja em fraudes; e Luiz Molição, que teria sido porta-voz do grupo nas conversas com Glenn.
Para o juiz, estão presentes na denúncia os requisitos legais e os suficientes indícios de autoria e materialidade dos crimes, o que justifica a abertura da ação contra o grupo.
Glenn recebeu os diálogos da Lava Jato e os publicou por meio de uma série de reportagens do Intercept, algumas em parceria com outros veículos de imprensa, como a Folha.
O jornalista foi denunciado mesmo sem ter sido investigado nem indiciado pela Polícia Federal, mas o procurador Wellington Oliveira, do Ministério Público Federal em Brasília, entendeu que ficou demonstrado, em um áudio encontrado em um computador apreendido, que o jornalista orientou Molição a apagar mensagens.
Isso, segundo o procurador, caracterizou “clara conduta de participação auxiliar no delito, buscando subverter a ideia de proteção a fonte jornalística em uma imunidade para orientação de criminosos”.
Em vídeo divulgado no Twitter, Glenn afirmou que a decisão do juiz é uma boa notícia, mas não suficiente. Ele disse que seus advogados vão agora pedir ao STF uma manifestação esclarecendo que a denúncia não é só contrária à liminar de Gilmar, mas à liberdade de imprensa, conforme endossaram entidades do setor.
“Todos disseram que essa denúncia é um ataque grave contra uma imprensa livre. Agora, nossos advogados vão ao STF para ter uma decisão deixando isso bem claro”, declarou.
O advogado Ariovaldo Moreira, que defende Delgatti, Elias e Suelen disse não ter tido acesso à decisão e que, por ora, não poderia comentá-la. A Folha não localizou os representantes dos demais réus.
Em sua decisão, Leite diz que, pelo contexto dos diálogos, Molição revela dúvida sobre o que fazer e, apesar de Glenn mencionar que não poderia ajudá-lo, o instiga a eliminar as mensagens, “de forma a não ligá-lo ao material ilícito”.
“Pelo nosso sistema penal, esta conduta integra uma das formas de participação moral, atraindo sua responsabilidade sobre a conduta praticada. Neste ponto, entendo que há clara tentativa de obstar o trabalho de apuração do ilícito, não sendo possível utilizar a prerrogativa de sigilo da fonte para criar uma excludente de ilicitude”, escreveu.
O magistrado entendeu que o jornalista não pode sugerir o que o “agente do ato ilícito deve fazer para escapar do trabalho persecutório do Estado”.
“Pode, sim, manter segredo e não revelar para autoridades públicas a identificação de sua fonte, mas sem qualquer instigação ou reforço de uma ideia já existente no agente que dificulte o trabalho apuratório.”
O juiz diz ainda que, “pela lógica do contexto, o jornalista incitou os “outros denunciados a continuarem as invasões”.
Leite ponderou, contudo, que há “dúvida razoável” sobre se a decisão de Gilmar impede a denúncia contra o jornalista. Diante disso, tendo em vista que a questão está judicializada, considerou ser prudente aguardar o desfecho do caso no Supremo.
O MPF em Brasília requereu ao procurador-geral da República, Augusto Aras, que peça ao Supremo a reversão da liminar, o que abriria caminho para Glenn ser processado.
Para Leite, a seu sentir, a decisão de Gilmar adotou “um sentido amplo e extensivo, e comporta a interpretação de obstar a deflagração de qualquer ato persecutório estatal, tanto na fase investigativa quanto judicial”.
Para o procurador, Glenn, “de forma livre, consciente e voluntária, auxiliou, incentivou e orientou, de maneira direta, o grupo criminoso, durante a prática delitiva, agindo como garantidor do grupo, obtendo vantagem financeira com a conduta aqui descrita [ao divulgar as conversas em seu site]”.
Oliveira, porém, não apresentou na denúncia uma eventual aferição de lucros do Intercept para justificar a afirmação. Embora cite a questão financeira, o procurador não denunciou Glenn por nenhum crime relacionado a isso.
A denúncia contra Glenn provocou a reação de diversas autoridades e entidades de defesa da liberdade de imprensa.
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse na ocasião que se trata de “uma ameaça”. “Jornalismo não é crime. Sem jornalismo livre não há democracia.”