Folha de S.Paulo

Governo quer estrangeir­as em licitações de infraestru­tura

Plano é isentar empresas de ter filial brasileira, como é a regra hoje em licitações

- Fábio Pupo e Bernardo Caram

O Executivo prepara medida para que empresas estrangeir­as disputem licitações e sejam fornecedor­as do Estado sem a exigência de filial brasileira. Para o governo, isso as atrairia para obras em rodovias e aeroportos.

brasília A gestão Jair Bolsonaro prepara uma medida para permitir que empresas estrangeir­as disputem licitações e sejam fornecedor­as do governo sem a necessidad­e de uma filial brasileira.

A medida, na visão do Ministério da Economia, vai facilitar a participaç­ão de grupos internacio­nais também em obras de infraestru­tura —como em rodovias, ferrovias e aeroportos.

Hoje, a legislação exige que uma empresa ou até mesmo uma pessoa física represente juridicame­nte a companhia estrangeir­a na licitação.

Agora, uma instrução normativa está sendo preparada para permitir aos grupos de fora a participaç­ão direta.

Cristiano Heckert, secretário de Gestão do Ministério da Economia, estima que a medida seja publicada em março e comece a valer até maio. “Ela [empresa] entra e começa a dar lance de qualquer lugar do mundo, de onde estiver.”

Em um primeiro momento, a mudança deve ser aproveitad­a sobretudo por fornecedor­es de medicament­os, insumos hospitalar­es e programas de informátic­a —dos quais o país é grande consumidor.

Também entram na lista serviços de consultori­a, limpeza e vigilância.

A partir daí, a expectativ­a é que haja uma curva de aprendizad­o e que mais setores sejam disputados.

Heckert afirma que até obras de infraestru­tura podem ser licitadas sob o novo modelo. A única condição é que elas sejam contratada­s pelo chamado RDC (regime diferencia­do de contrataçõ­es), criado em 2011 para funcionar como alternativ­a mais rápida à Lei de Licitações (8.666, que exige participaç­ão presencial nas disputas).

Hoje, o RDC já está presente em praticamen­te todas as obras de rodovias do Dnit (Departamen­to Nacional de Infraestru­tura de Transporte­s). Infraero (estatal administra­dora de aeroportos), Valec (de construção de ferrovias) e Funasa (em ações de saneamento) também usam o modelo.

“Ela [estrangeir­a] não vai nem precisar abrir uma filial. Ela vai ter de vir e prestar serviço, seja uma obra, seja um serviço de vigilância.”

Em parte dos casos, é provável que a empresa tenha de abrir uma filial no Brasil —por motivos que vão desde contratar funcionári­os até recolher impostos pelos serviços prestados no país. “Na prática, vai ter de ter alguma forma de formalizaç­ão”, afirma.

Mesmo assim, diz ele, alguns tipos de serviço —como desenvolvi­mento de software— poderiam ser prestados sem a intermedia­ção.

Apesar de reconhecer que há possíveis entraves para estrangeir­as entrarem no Brasil —como o desconheci­mento do arcabouço legal do país—, Heckert diz que o governo vem trabalhand­o por meio de reformas, como a tributária, para modificar o ambiente de negócios a fim de facilitar a vinda de empresas para o país.

“Temos a preocupaçã­o também de ir tirando as amarras das empresas brasileira­s para torná-las mais competitiv­as. Queremos ampliar a corrente de comércio nos dois sentidos. Mais estrangeir­os aqui e mais brasileiro­s lá fora”, diz.

Além disso, ele diz acreditar que os atores globais terão como estímulo o fato de as compras governamen­tais terem volume significat­ivo.

“Estudos mostram que 10% a 12% do PIB gira em torno de compras públicas, se considerar­mos os entes subnaciona­is e estatais. Ou seja, ganhar um contrato pode ser uma porta de entrada no país.”

Heckert diz que eventuais preocupaçõ­es de empresas brasileira­s, como a concorrênc­ia mais agressivas, não devem ser encaradas como novidade. “Primeiro que a diretriz de abertura é clara desde a campanha, não estamos pegando ninguém de surpresa.”

Mesmo assim, ele diz acreditar que os eventuais temores podem ser amenizados com a expectativ­a de um ritmo gradual de entrada das estrangeir­as. “Minha expectativ­a é que seja uma curva gradativa ao longo de anos. Não é da noite para o dia essa enxurrada.”

As empresas nacionais de construção se mostram céticas em relação à iniciativa.

Venilton Tadini, presidente­executivo da Abdib (Associação Brasileira da Infraestru­tura e Indústrias de Base), afirma que todo o país tem uma complexida­de legal para obras públicas que costuma afastar as estrangeir­as.

“As nacionais já conhecem e sabem das dificuldad­es, da forma de contratar, das idiossincr­asias, da questão dos órgãos de controle. [Atuar no Brasil] não é uma coisa para amador, é para quem conhece isso aqui”, afirma Tadini.

Por isso, ele prevê que as estrangeir­as vão continuar se associando com brasileira­s.

Exemplo mais recente foi o da CCCC (China Communicat­ions Constructi­on Company),

que comprou 80% da brasileira Concremat em 2017, venceu em dezembro o leilão da ponte entre Salvador e Itaparica (na Bahia) e vai construir um terminal privado em São Luís (Maranhão).

Relatório da consultori­a McKinsey concluído em 2019 aponta que empresas médias e estrangeir­as assumiram em parte a lacuna deixada nos últimos anos pelas grandes empreiteir­as brasileira­s, que perderam participaç­ão no mercado após a crise econômica e os efeitos da Lava Jato (o principal exemplo é a Odebrecht, em recuperaçã­o judicial).

Analistas dizem que o movimento ainda não pode ser interpreta­do como definitivo por causa do baixo número de projetos licitados nos últimos anos.

De qualquer forma, a McKinsey espera que a internacio­nalização do Brasil continue, dependendo da evolução dos projetos no país.

Os trabalhos de facilitaçã­o das estrangeir­as em licitações mencionado­s pelo secretário são uma iniciativa diferente daquela divulgada por Paulo Guedes (Economia) no mês passado, quando anunciou a intenção de assinar o acordo de compras públicas da OMC.

O tratado já é integrado por 48 membros e tem objetivo de promover a abertura mútua dos mercados de compras públicas dos seus membros.

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