Doria substitui ouvidor da polícia em dia de balanço
Não recondução é inédita para o cargo; sucessor trabalhou com Haddad
O governador de São Paulo decidiu não reconduzir o ouvidor da polícia, Benedito Mariano. A decisão foi efetivada sem aviso prévio, no dia em que a Ouvidoria apresentaria balanço anual no qual apontou, entre outros fatos, aumento das mortes provocadas por policiais da Rota.
são paulo O governador João Doria (PSDB) não reconduziu ao cargo o atual ouvidor da Polícia de São Paulo, Benedito Mariano, escolhendo para sucedê-lo o terceiro nome da lista tríplice, o advogado Elizeu Soares Lopes.
A decisão foi efetivada sem aviso prévio e no mesmo dia em que a Ouvidoria apresentaria seu balanço anual de trabalho, no qual apontou, entre outros fatos, o aumento das mortes de civis provocadas por policiais da Rota, tropa de elite do estado.
“Fiquei sabendo às 8h30 de hoje. Ninguém do governo sinalizou de que teria a decisão”, disse Mariano. “O governador foi muito deselegante comigo.”
Ligado ao PCdoB e ao movimento negro, o novo ouvidor foi secretário-adjunto de Promoção da Igualdade Racial da gestão de Fernando Haddad (PT) na Prefeitura de São Paulo. Ele também foi chefe de gabinete da deputada estadual Leci Brandão (PCdoB).
Crítico do atual governador, Lopes escreveu em rede social durante as eleições municipais de 2016 que o tucano era “um fiasco, não fala lé com cré” em debate com Haddad.
Mariano fora o mais votado em novembro para a lista tríplice. Todos os nove conselheiros do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana do Estado de São Paulo) foram favoráveis à recondução, incluindo o representante do governo. Lopes teve cinco votos.
Ao ser questionado por jornalistas durante visita ao interior de São Paulo, o governador João Doria limitou-se a dizer: “É lista tríplice e, portanto, cabe ao governador escolher um dos três nomes. E foi feita a escolha. Ponto final”.
A decisão foi publicada no Diário Oficial desta quinta (6) e quebra uma tradição da Ouvidoria, criada na gestão Mário Covas (PSDB), de sempre reconduzir o ouvidor para mais dois anos de mandato.
Deputados vinham pressionando Doria a não manter Mariano. O líder do governo na Assembleia Legislativa, Carlão Pignatari (PSDB), chegou a dizer que Mariano é “mau caráter” e deveria sair do posto. A situação piorou após ele criticar a atuação da PM em Paraisópolis, quando nove pessoas morreram pisoteadas durante uma operação policial em um baile funk.
“Talvez o governador não tenha me nomeado pelo que eu fiz, não pelo que eu não fiz. Produzimos uma pesquisa sobre força policial inédita no país. Produzimos uma pesquisa sobre suicídio policial inédita no país.”
A lei determina que o governador escolha qualquer um dos nomes da lista tríplice. A escolha, quando divulgada no Diário Oficial, é irreversível.
“É legítimo escolher o terceiro, [mas] como nunca aconteceu de o atual ouvidor não ser reconduzido, faltou delicadeza de ao menos avisar uma semana antes. Para avisar a equipe, preparar uma transição. Ele foi deselegante.”
Mariano disse que recebeu ligação do secretário-executivo da Polícia Militar, Álvaro Camilo, na semana assada informando que a cúpula da Segurança Pública levaria ao governador pedido de recondução dele ao cargo em reconhecimento ao bom trabalho.
“Para mim, isso é muito caro. No período em que a Ouvidoria foi mais atuante, não criou tensão com o gabinete do secretário e com o comando das duas polícias. O governador não quis reconduzir um ouvidor que tinha apoio das polícias e do secretário da Segurança Pública.”
O presidente do Condepe, Dimitri Sales, que estava com
Mariano na apresentação do balanço, atribuiu a decisão de Doria a uma ação política, “sacrificando o ouvidor para agradar a bancada da bala”.
“Essa decisão ocorre no contexto de disputa dentro da Assembleia Legislativa. Lá existem dois projetos, um querendo extinguir a Ouvidoria e outro para extinguir o Condepe.”
Mariano deixa o cargo antes de terminar o relatório sobre o caso de Paraisópolis, que, segundo ele, detalharia erros da
“É legítimo escolher o terceiro, [mas] como nunca aconteceu de o atual ouvidor não ser reconduzido, faltou delicadeza de ao menos avisar uma semana antes. Para avisar a equipe, preparar uma transição. Ele foi deselegante
Benedito Mariano ex-ouvidor da Polícia de SP
Polícia Militar na ação. O documento teria como base o inquérito da Polícia Civil, com mais de 1.100 páginas.
O ouvidor disse que a análise dessa documentação reforçou as declarações dadas por ele na época. “A ocorrência de Paraisópolis foi improvisada, precipitada e desastrosa, dialogou diretamente com o resultado trágico. Mesmo que as mortes tenham sido de maneira indireta”, afirmou.
No documento que vinha sendo elaborado, disse ele. haveria um mapa mostrando a localização de cada viatura no episódio, o que, segundo o ex-ouvidor, demonstraria a falha dos policiais.
“A localização das viaturas no baile funk mostrava que a ação não seguiu o próprio manual da PM sobre intervenção em controle de distúrbios civis, que é deixar o máximo de rotas de dispersão.”
Para o sociólogo, seu sucessor não terá como produzir um relatório por não ter acompanhado o assunto.
Relatório ressalta letalidade da Rota no ano passado
são paulo No relatório anual de prestação de contas apresentado nesta quinta, a Ouvidoria destaca a quantidade de pessoas mortes pela Rota (tropa de elite da PM paulista), que quase dobrou em 2019.
Segundo o balanço do ouvidor, com base em números da Corregedoria, os policiais desse grupo mataram no ano passado 101 pessoas durante o trabalho. Em 2018, foram 51.
Para Benedito Mariano, foi a letalidade da Rota que provocou uma elevação em todos os números do estado. Em 2018, a PM matou 642 pessoas durante a intervenção policial. No ano passado, foram 716.
Somando as duas polícias, as mortes decorrentes de intervenção policial foram de 655 para as 733 anotadas, na mesma comparação dos anos.
A reportagem procurou o coronel Álvaro Camilo, mas não recebeu resposta até a conclusão deste texto.
A Folha também buscou um posicionamento do secretário da Segurança, João Camilo Pires de Campos, e o governador João Doria, mas nenhum deles se manifestou ainda.
Em nota, a Secretaria da Justiça da gestão Doria afirma que “a escolha de um novo mandato de Ouvidor das Polícias a cada dois anos é uma regra prevista pela Ouvidoria”.
“Por se tratar de um cargo de fiscalização indicado por representantes da sociedade civil, cuja função é ser o porta-voz da população, a escolha é baseada estritamente em critérios técnicos.”
A Secretaria da Segurança respondeu que seu posicionamento é o mesmo da Justiça.