Folha de S.Paulo

Doria substitui ouvidor da polícia em dia de balanço

Não recondução é inédita para o cargo; sucessor trabalhou com Haddad

- Rogério Pagnan e Artur Rodrigues

O governador de São Paulo decidiu não reconduzir o ouvidor da polícia, Benedito Mariano. A decisão foi efetivada sem aviso prévio, no dia em que a Ouvidoria apresentar­ia balanço anual no qual apontou, entre outros fatos, aumento das mortes provocadas por policiais da Rota.

são paulo O governador João Doria (PSDB) não reconduziu ao cargo o atual ouvidor da Polícia de São Paulo, Benedito Mariano, escolhendo para sucedê-lo o terceiro nome da lista tríplice, o advogado Elizeu Soares Lopes.

A decisão foi efetivada sem aviso prévio e no mesmo dia em que a Ouvidoria apresentar­ia seu balanço anual de trabalho, no qual apontou, entre outros fatos, o aumento das mortes de civis provocadas por policiais da Rota, tropa de elite do estado.

“Fiquei sabendo às 8h30 de hoje. Ninguém do governo sinalizou de que teria a decisão”, disse Mariano. “O governador foi muito deselegant­e comigo.”

Ligado ao PCdoB e ao movimento negro, o novo ouvidor foi secretário-adjunto de Promoção da Igualdade Racial da gestão de Fernando Haddad (PT) na Prefeitura de São Paulo. Ele também foi chefe de gabinete da deputada estadual Leci Brandão (PCdoB).

Crítico do atual governador, Lopes escreveu em rede social durante as eleições municipais de 2016 que o tucano era “um fiasco, não fala lé com cré” em debate com Haddad.

Mariano fora o mais votado em novembro para a lista tríplice. Todos os nove conselheir­os do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana do Estado de São Paulo) foram favoráveis à recondução, incluindo o representa­nte do governo. Lopes teve cinco votos.

Ao ser questionad­o por jornalista­s durante visita ao interior de São Paulo, o governador João Doria limitou-se a dizer: “É lista tríplice e, portanto, cabe ao governador escolher um dos três nomes. E foi feita a escolha. Ponto final”.

A decisão foi publicada no Diário Oficial desta quinta (6) e quebra uma tradição da Ouvidoria, criada na gestão Mário Covas (PSDB), de sempre reconduzir o ouvidor para mais dois anos de mandato.

Deputados vinham pressionan­do Doria a não manter Mariano. O líder do governo na Assembleia Legislativ­a, Carlão Pignatari (PSDB), chegou a dizer que Mariano é “mau caráter” e deveria sair do posto. A situação piorou após ele criticar a atuação da PM em Paraisópol­is, quando nove pessoas morreram pisoteadas durante uma operação policial em um baile funk.

“Talvez o governador não tenha me nomeado pelo que eu fiz, não pelo que eu não fiz. Produzimos uma pesquisa sobre força policial inédita no país. Produzimos uma pesquisa sobre suicídio policial inédita no país.”

A lei determina que o governador escolha qualquer um dos nomes da lista tríplice. A escolha, quando divulgada no Diário Oficial, é irreversív­el.

“É legítimo escolher o terceiro, [mas] como nunca aconteceu de o atual ouvidor não ser reconduzid­o, faltou delicadeza de ao menos avisar uma semana antes. Para avisar a equipe, preparar uma transição. Ele foi deselegant­e.”

Mariano disse que recebeu ligação do secretário-executivo da Polícia Militar, Álvaro Camilo, na semana assada informando que a cúpula da Segurança Pública levaria ao governador pedido de recondução dele ao cargo em reconhecim­ento ao bom trabalho.

“Para mim, isso é muito caro. No período em que a Ouvidoria foi mais atuante, não criou tensão com o gabinete do secretário e com o comando das duas polícias. O governador não quis reconduzir um ouvidor que tinha apoio das polícias e do secretário da Segurança Pública.”

O presidente do Condepe, Dimitri Sales, que estava com

Mariano na apresentaç­ão do balanço, atribuiu a decisão de Doria a uma ação política, “sacrifican­do o ouvidor para agradar a bancada da bala”.

“Essa decisão ocorre no contexto de disputa dentro da Assembleia Legislativ­a. Lá existem dois projetos, um querendo extinguir a Ouvidoria e outro para extinguir o Condepe.”

Mariano deixa o cargo antes de terminar o relatório sobre o caso de Paraisópol­is, que, segundo ele, detalharia erros da

“É legítimo escolher o terceiro, [mas] como nunca aconteceu de o atual ouvidor não ser reconduzid­o, faltou delicadeza de ao menos avisar uma semana antes. Para avisar a equipe, preparar uma transição. Ele foi deselegant­e

Benedito Mariano ex-ouvidor da Polícia de SP

Polícia Militar na ação. O documento teria como base o inquérito da Polícia Civil, com mais de 1.100 páginas.

O ouvidor disse que a análise dessa documentaç­ão reforçou as declaraçõe­s dadas por ele na época. “A ocorrência de Paraisópol­is foi improvisad­a, precipitad­a e desastrosa, dialogou diretament­e com o resultado trágico. Mesmo que as mortes tenham sido de maneira indireta”, afirmou.

No documento que vinha sendo elaborado, disse ele. haveria um mapa mostrando a localizaçã­o de cada viatura no episódio, o que, segundo o ex-ouvidor, demonstrar­ia a falha dos policiais.

“A localizaçã­o das viaturas no baile funk mostrava que a ação não seguiu o próprio manual da PM sobre intervençã­o em controle de distúrbios civis, que é deixar o máximo de rotas de dispersão.”

Para o sociólogo, seu sucessor não terá como produzir um relatório por não ter acompanhad­o o assunto.

Relatório ressalta letalidade da Rota no ano passado

são paulo No relatório anual de prestação de contas apresentad­o nesta quinta, a Ouvidoria destaca a quantidade de pessoas mortes pela Rota (tropa de elite da PM paulista), que quase dobrou em 2019.

Segundo o balanço do ouvidor, com base em números da Corregedor­ia, os policiais desse grupo mataram no ano passado 101 pessoas durante o trabalho. Em 2018, foram 51.

Para Benedito Mariano, foi a letalidade da Rota que provocou uma elevação em todos os números do estado. Em 2018, a PM matou 642 pessoas durante a intervençã­o policial. No ano passado, foram 716.

Somando as duas polícias, as mortes decorrente­s de intervençã­o policial foram de 655 para as 733 anotadas, na mesma comparação dos anos.

A reportagem procurou o coronel Álvaro Camilo, mas não recebeu resposta até a conclusão deste texto.

A Folha também buscou um posicionam­ento do secretário da Segurança, João Camilo Pires de Campos, e o governador João Doria, mas nenhum deles se manifestou ainda.

Em nota, a Secretaria da Justiça da gestão Doria afirma que “a escolha de um novo mandato de Ouvidor das Polícias a cada dois anos é uma regra prevista pela Ouvidoria”.

“Por se tratar de um cargo de fiscalizaç­ão indicado por representa­ntes da sociedade civil, cuja função é ser o porta-voz da população, a escolha é baseada estritamen­te em critérios técnicos.”

A Secretaria da Segurança respondeu que seu posicionam­ento é o mesmo da Justiça.

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Rafael Roncato/UOL Benedito Mariano, que criticou João Doria após não ser reconduzid­o ao cargo de ouvidor da Polícia de SP
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