Rondônia manda recolher 43 livros, mas depois recua
Determinação incluía obras de Franz Kafka, Euclides da Cunha, Ferreira Gullar e Rubem Fonseca, entre outras
A Secretaria de Educação de Rondônia distribuiu memorando e lista de livros para serem recolhidos das escolas por conterem “conteúdos inadequados”, entre eles “Macunaíma” e “Memórias Póstumas de Brás Cubas”. A pasta recuou da medida após questionamentos.
brasília A Secretaria de Educação de Rondônia distribuiu nesta quinta-feira (6) um memorando e uma lista de livros para serem recolhidos das escolas por conterem o que foi definido como “conteúdos inadequados” a crianças e adolescentes. A pasta voltou atrás após questionamentos a respeito da medida.
A lista das obras censuradas inclui 43 títulos. São livros de autores consagrados como Caio Fernando Abreu, Carlos Heitor Cony, Euclides da Cunha, Ferreira Gullar, Nelson Rodrigues e Rubem Fonseca. Também fazem parte o livro “O Castelo”, de Franz Kafka, e “Macunaíma”, de Mário de Andrade, obra recorrentemente exigida em vestibulares.
A relação traz ainda uma observação: “Todos os livros do Rubem Alves devem ser recolhidos”. Morto em 2014, Alves escrevia sobre educação e questionava o formato tradicional da escola.
À Folha o secretário de Educação de Rondônia, Suamy Vivecananda Lacerda de Abreu, afirmou inicialmente que o fato se tratava de “fake news”. Após ser confrontado com imagens desse processo no sistema da pasta, argumentou que não estava na secretaria ao longo da semana e que não tinha conhecimento da medida.
De acordo com ele, entretanto, não haverá recolhimento de obras nas escolas.
O governador de Rondônia, coronel Marcos Rocha, é filiado ao PSL, ex-partido do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A expectativa é que Rocha acompanhe o chefe do Executivo do país em seu novo partido, o Aliança.
Bolsonaro e aliados insistem em afirmar que há doutrinação nas escolas do Brasil e nos livros didáticos e paradidáticos. No início deste ano, o presidente declarou que os livros escolares têm “muita coisa escrita” e que é preciso “suavizar”.
A reportagem confirmou que o memorando e a relação de livros de Rondônia são documentos oficiais. Os memorandos foram encaminhados a coordenadores regionais de Educação do estado e o processo ainda consta no sistema de processos da Secretaria de Educação de Rondônia.
Imagens dessa lista também passaram a ser divulgadas pela internet, e a secretaria tornou o processo secreto às 14h11 desta quintafeira, conforme registro do sistema. Em seguida, no meio da tarde, a Coordenação Regional de Educação da pasta encaminhou uma nova mensagem para os coordenadores abortando o recolhimento dos livros.
“Missão de recolhimento dos livros abortada. Caso façam contato com vocês sobre o tema, por favor, peçam que entrem em contato com a CRE [Coordenação Regional de Educação]”, informou a mensagem da secretaria.
O memorando-cirular 4/2020 tem o nome do secretário de Educação, mas é assinado eletronicamente pela diretora-geral de educação, Irany de Oliveira Lima Morais.
O memorando ressalta a importância de os educadores “estarem atentos as demais literaturas já existentes ou que chegam nas escolas” de modo que “sejam analisadas e assegurados os direitos do estudante de usufruir do mesmo com a intervenção do professor ou sozinho sem constrangimentos e desconfortos”.
A Folha solicitou detalhes à secretaria de Educação de Rondônia e também ao governo. Não houve resposta até o fechamento desta edição.
O secretário de Educação de Rondônia ressaltou à reportagem que qualquer determinação sai de seu gabinete, mas que não faz ideia como esses documentos acabaram parando no sistema de processos da secretaria.
“Mesmo assim vou na semana que vem avaliar o que realmente ocorreu”, afirmou Vivecananda Lacerda de Abreu.
“(...) ressaltamos a importância de estarem atentos as demais literaturas já existentes ou que chegam (...), a fim de que sejam analisadas e assegurados os direitos do estudante de usufruir do mesmo com a intervenção do professor ou sozinho sem constrangimentos e desconfortos. Solicitamos que após o recolhimento dos livros pela CRE, os mesmos sejam entregues (...) trecho da circular